“…there is nothing specific to social order; that there is no social dimension of any sort, no ‘social context’, no distinct domain of reality to which the label ‘social’ or ‘society’ could be attributed…There is no such a thing as a society (…) It is possible to remain faithful to the original institutions of social sciences by redefining sociology not as the ‘science of the social’, but as the tracing of associations”
(Bruno Latour, Reassembling the Social, p. 4-5)
Decidimos ontem comear as reunies do GPC – Grupo de Pesquisa em Cibercidade nesse semestre pela discusso do livro “Reassembling the Social. An Introduction to Actor-Network-Theory”, de Bruno Latour. Entendemos que a compreenso da teoria ator-rede pode ser til aos diversos projetos dos pesquisadores que compem o GPC. A proposta est ainda dentro do meu atual projeto de pesquisa (discusso sobre materialidades da comunicao, teoria ator-rede e mdias locativas) e surge depois da disciplina ministrada no semestre passado no Pos-Com sobre essa temtica.
A minha aposta que a recuperao da sociologia de Gabriel de Tarde pela teoria ator rede pode ser uma tima forma de analisarmos as diversas articulaes em torno da espacializao, da comunicao e das tecnologias digitais com o surgimento e expanso das mdias de locativas (servios e tecnologias baseados em localizao). S um pensamento das “associaes” pode nos ajudar a compreender as formas de sociabilidade, de mapeamento e produo de narrativas sobre o espao, de produo social de sentido sobre o urbano, de tenses da arte locativa, de controle, monitoramento e vigilncia em jogo com essas tecnologias.
Recente livro, “The Social after Gabriel Tarde: Debates and Assessments”, mostra bem a atual valorizao do pensamento de Gabriel da Tarde por parte de alguns autores. Eles vo questionar quais rumos teriam tomado o pensamento sociolgico se Tarde, ao invs de Durkheim, tivesse sido o protagonista na histria dessa “cincia”. Para alguns, um pensamento sociolgico menos sujeito a regras gerais, a estruturas, e mais prximo de adaptaes e variaes no-hierquicas poderia ter tomado a frente da cena afirmando ento, no que o “social uma coisa” (Durkheim), mas que “toda coisa social” (Tarde). Esse embate Tarde x Durkheim (que no faremos aqui em profundidade) parece trazer um frescor s cincias sociais e pode iluminar os estudos sobre as novas mdias, a comunicao, o espao e as relaes sociais.
Vamos voltar a esse debate nas reunio do GPC (acompanhem o blog) e nos meus prximos artigos (publicados tambm aqui nesse Carnet). Por hora, tendo uma relao direta com as mdias de geolocalizao, gostaria de destacar, como frisa Latour, como a idia geral de estatstica (Durkheim) estaria sendo posta a prova (revelando a importncia da anlise das associaes em detrimento daquelas genricas sobre “o social”) com o surgimento de novas formas de rastreamento (digital traceability). O rastreamento digital est em marcha com as prticas e usos das mdias digitais, principalmente as mveis com servios de localizao. Vemos hoje prticas j bastante corriqueiras como dizer onde estar e ver o que se diz sobre os lugares pelo Foursquare, o que se est fazendo no Facebook, o que importa saber no Twitter, os caminhos marcados com os traos de um GPS, a construo de mapeamentos diversos, os rastros (transposte pblico, estradas, compras, etc.) deixados pelos usurios de sistemas que utilizam etiquetas de radiofrequncia… Os exemplo so inmeros e em expanso. (A esse propsito vejam meu artigo sobre o tema aqui).
Essas tecnologias fornecem dados finos das associaes, das variaes, das adaptaes e das redes sociais que nenhuma estattica jamais pode oferecer (traos de navegaes em tempo real, mapeamentos e articulaes com escrita nos lugares, marcas das leituras feitas nesse deslocamento…rastros de uma mobilidade que se inscreve e se l, revelando as associaes). nesse sentido que o “trao” da vida social mostra bem a fora da sociologia de Gabriel de Tarde e da teoria ator-rede. Analogamente ao que mostrei em recente palestra sobre mapas participativos, a estatstica, assim como um mapa mimtico, diz algo sobre o genrico, funciona como um panorama, mostra tudo, mas pouco revela. A estattica do social fala do geral sem descer s complexidades das associaes, das redes e das relaes entre os diversos actantes, humanos e no-humanos. Contrariamente estatstica do social, os rastros digitais, para o melhor ou o pior (vigilncia), revelam as caticas navegaes e as fluidas associaes pelo vivido.
Vejam abaixo o que diz Latour sobre isso (via UnderstandingSociety):
Latour ends his contribution to the Candea volume with an intriguing section called “Digital traceability … Tarde’s vindication?”. The key idea here is that the twenty-first century permits social scientists to go decisively and transparently beyond the primitive aggregative statistics that underlay Durkheim’s approach to the “social whole.” Tarde, and Latour, look at Durkheim’s social whole as no more than a crude statistical aggregation of data; and, according to Latour, Tarde had envisioned a time when the statistics and quantitative data deriving from social behavior would be transparent and visible. This, Latour suggests, is becoming true. Today we can look at social data at a full range of levels of aggregation, moving back and forth from the micro to the macro with ease. Here is Tarde’s version of the vision:
If Statistics continues to progress as it has done for several years, if the information which it gives us continues to gain in accuracy, in dispatch, in bulk, and in regularity, a time may come when upon the accomplishment of every social event a figure will at once issue forth automatically, so to speak, to take its place on the statistical registers that will be continuously communicated to the public and spread abroad pictorially by the daily press.
And here is Latour’s comment:
It is indeed striking that at this very moment, the fast expanding fields of “data visualization”, “computational social science” or “biological networks” are tracing before our eyes, just the sort of data Tarde would have acclaimed. … Digital navigation through point-to-point datascapes might, a century later, vindicate Tarde’s insights.
Aqui vemos, efetivamente, “the tracing of associations”, como na epgrafe que abre esse post.