Folha de São Paulo, domingo, 10 de julho de 2005

EUA e aliados perdem a guerra das idéias

DAVID GARDNER

DO “FINANCIAL TIMES”

Artigo interessante sobre as raízes do terrorismo hoje. Abaixo alguns trechos da matéria:

“Os ataques cataclísmicos a Nova York e Washington em 11 de setembro de 2001 fizeram surgir um setor pequeno, mas influente, que, através da administração de George W. Bush e em nome dela, argumenta que os responsáveis islâmicos por essa atrocidade “nos odeiam por nossas liberdades” -que nos repudiam por nossos valores, por aquilo que somos e pensamos, e não por alguma coisa que fazemos.

Quem dera fosse verdade. Em lugar disso, o que enfrentamos é uma guerra de idéias no interior do mundo muçulmano e árabe. À luz disso, a idéia acima mencionada é enganosa -é uma afirmação que, convenientemente, nos exime de termos de reexaminar criticamente as políticas que adotamos em relação a esse mundo.

O mais importante a reconhecer é que a grande onda democrática que nas últimas duas décadas libertou a Europa central e do leste, a América Latina e partes da África subsaariana encalhou nas areias do Oriente Médio, deixando os árabes isolados numa ilha de tirania. Isso aconteceu, em parte nada desprezível, porque os EUA e seus principais aliados deram respaldo aos déspotas locais, em nome da estabilidade e do petróleo barato.

A maioria avassaladora dos muçulmanos não nos odeia por nossas liberdades. Mas ela repudia essa política ocidental em relação ao mundo árabe, e, por esse motivo, alguns dos mais frustrados entre ela viram alvos fáceis do canto de sereia dos jihadistas.

Essa análise foi confirmada em setembro passado pelo Conselho de Ciência da Defesa, um comitê federal que presta assessoria ao secretário da Defesa dos EUA. As pesquisas de opinião que o Conselho analisou são assustadoras.

No Egito e na Arábia Saudita, por exemplo, o estudo do Conselho constatou que a maioria ou parte importante da população dos países árabes é favorável a valores como liberdade e democracia, aprova a ciência e a educação ocidentais e gosta de filmes e produtos americanos. “Em outras palavras, eles não nos odeiam por nossos valores, mas por nossa política”, diz o comitê, para então demonstrar como o repúdio a essas políticas já começou a reduzir a apreciação pelos valores.

Mas, se o Ocidente continuar a entrar em conluio com tiranos locais, negando liberdade às populações, vamos perder a guerra das idéias. Então os jihadistas penetrarão na opinião majoritária muçulmana e levarão adiante suas táticas de imolação. E os valores comuns do islã e do Ocidente perderão força.