Utopia

Utopia

E acaba de ser publicada uma entrevista no IHU – Instituto Humanitas Unisinos sobre o tema “Utopia da Sociedade em Rede”. Abaixo alguns trechos:

“Que as novas tecnologias e os dispositivos criados a partir dela esto criando uma reconfigurao da sociedade no uma nova informao. No entanto, pensar o que esse fenmeno est fazendo com a sociedade, de que forma essa reconfigurao est se dando algo ainda que est sendo adaptado pelas grandes empresas miditicas. Elas, que tinham o grande poder de informar, hoje precisam ceder espao e aprender a trabalhar conjuntamente com esses dispositivos, porque perderam, junto com os formadores de opinio, o papel de mediao. Segundo o professor Andr Lemos, ‘o telefone celular, os laptops e os palmtops servem hoje como dispositivos de produo e distribuio da informao dentro do espao urbano. Isso ir alterar os traados das cidades, a forma como os arquitetos esto hoje construindo os prdios e criando zonas de acesso informao nas redes’. A IHU On-Line conversou com ele por telefone sobre a sociedade transformada pela internet, pela web 2.0, pela comunicao digital.

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IHU On-Line A cultura est cada vez mais ligada s novas tecnologias. Como podemos pensar o espao urbano contemporneo a partir da cibercultura?

Andr Lemos Na realidade, o que vemos uma espcie de evoluo dos processos de espacializao com as mdias. Todo o espao urbano foi sempre transformado, alterado a partir das mdias, desde a escrita, depois passando pelo telgrafo, o rdio, telefone, televiso, at a internet. Ento, o processo miditico est sempre alterando as prticas sociais nas cidades. O que ns temos hoje uma evoluo desse processo com as novas tecnologias, primeiro com a internet fixa uma internet onde as pessoas se conectam a partir de lugares precisos para chegarmos ao que temos disponveis hoje, ou seja, um uso mais fluido e mvel com as tecnologias portais e digitais de acesso s redes sem fio, redes 3G ou Wi-fi etc. O que vemos hoje , diferentemente dos meios de massa, uma relao que acopla a mobilidade fsica mobilidade informacional.

Ns j tnhamos isso, de certa forma, com os meios de massa, quando podamos levar um radinho de pilha, uma televiso porttil, ler jornais e revistas enquanto nos deslocamos, mas essa relao se dava meramente a partir de um consumo da informao. O usurio estava ali nos seus deslocamentos cotidianos em contato com a informao, mas com uma postura de consumidor desses meios de massa. A meu ver, a diferena hoje, passa, com esses dispositivos mveis, para uma possibilidade indita, que no s a de produzir informao, mas de circular essa informao em mobilidade. H uma ampliao da potncia da mobilidade total que se liga a um deslocamento maior pelo espao urbano pelos meios de transporte , mas tambm uma ampliao da mobilidade informacional que passa a ser no s de consumo, mas principalmente de distribuio e de emisso dessa produo em vrios formatos sonoro, imagtico ou textual. Ento o telefone celular, os laptops e os palmtops servem hoje como dispositivos de produo e distribuio da informao dentro do espao urbano. Isso ir alterar os traados das cidades, a forma como os arquitetos esto hoje construindo os prdios e criando zonas de acesso informao nas redes, as micro e macro relaes sociais as pessoas coordenam seus deslocamentos com telefone celular, por exemplo.

Ento, eu penso que faz parte de uma evoluo desse processo de espacializao, chegando hoje a uma relao mais completa dessa mobilidade. Claro que, atualmente, essa mobilidade potencial, porque ela est ligada potencialidade que cada um tem de se deslocar, o que remete a diferenas sociais, possibilidade de acesso a esses dispositivos e redes. sempre, portanto, uma potncia, no apenas do deslocamento fsico, mas tambm do acesso informao dessas redes, que esto sempre bloqueadas ou controladas por senhas de acesso, por pagamentos s operadoras, ou aos provedores etc. Ento, ns temos uma potncia a, efetivamente muito maior de mobilidade fsica e emocional, mas no significa que estejamos necessariamente mais mveis ou nos comunicando maior. H uma possibilidade maior de deslocamento fsico e por informaes.

IHU On-Line Um fenmeno recente na cibercultura a oportunidade de democracia de acessos, formando at uma economia da gratuidade e uma transposio da nossa vida para dentro da rede. Que mudanas essa economia do gratuito provoca no imaginrio humano e na sociabilidade?

Andr Lemos Acho que o exemplo maior dessa gratuidade, e isso no foi dito por mim, mas por Pedro Rezende, um dos maiores especialistas em software livre, a prpria internet. Ela formada por protocolos abertos. O HTML, por exemplo, um software de cdigo aberto, que as pessoas podem alterar. Ou seja, os protocolos so livres e ns no precisamos pagar royalties para entrar na rede. Isso j fato. A internet criou a possibilidade efetiva dessa produo de contedo livre, diferente dos meios de massa, que requeriam altos volumes de recursos, concesso do Estado, ser mantida por editores. O que ns temos hoje, a meu ver, a possibilidade livre de contedo, de onde emerge a gratuidade. Esse o maior fenmeno social da internet. O que estamos vendo uma espcie de economia do dom, na qual as pessoas tm, pela primeira vez, a possibilidade de colocar o seu contedo. Claro que a gratuidade est sempre balizada pelo sistema capitalista, pois ns podemos usar sistemas de busca gratuito, mas eles esto ali sempre com a publicidade acoplada. uma gratuidade relativa.

H uma economia do dom, efetivamente, da colaborao, da possibilidade das pessoas poderem liberar uma emisso ou seja, as pessoas podem publicar as suas coisas em conexo e cooperao. Eu fao comentrio nos blogs, posso alterar um software e trabalhar coletivamente com outras pessoas, alm de poder publicar minhas idias sem precisar passar por um centro editor etc. Agora, temos uma maior possibilidade de emisso da informao que se d em colaborao, e essas duas pontas criam o processo de reconfigurao da cultura, do imaginrio comunicacional e social. No o fim dos grandes meios de massa, porque o usurio quer esses dois sistemas, o aberto e o fechado. muito bom para essa conscincia planetria da informao que eu possa comprar um jornal na banca, ou assistir televiso, mas tambm possa adicionar outros elementos a partir do acesso informao nos diversos sistemas que emerge a cada dia na internet.

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IHU On-Line A Web 2.0 permite que a circulao de informaes pela internet possa ser ampliada, assim como permite tambm que os sujeitos que antes apenas recebiam as mensagens possam ser tambm produtores de notcias. Como o senhor analisa a questo da identidade das minorias que tambm se apropriam da rede e de suas possibilidades?

Andr Lemos No so todos os que podem falar nos meios de massa. As conversas se do depois com os meus prximos e se revelam no processo democrtico. medida que com a internet qualquer pessoa se torna um potencial produtor de informaes, nesse espao que as pessoas podero expressar as suas opinies sobre qualquer assunto e nos conectar a outros, gerando transformaes e uma reconfigurao na sociedade. No toa que pases totalitrios vo impedir justamente isso, que as pessoas falem e se juntem. Sempre que pudemos fazer coisas colaborativamente. Isso reconfigura a vida social, a arte, a cultura. O que ns temos hoje uma possibilidade de as minorias se expressarem por elas mesmas, o que j est acontecendo ao redor do mundo, de uma maneira mais livre.

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IHU On-Line Hugo Pardo Kuklinski afirma que a web 2.0 no nasceu de forma espontnea, mas promoveu um espao normativo de prescrio e imposio de valores. H algo que pode ser perdido dentro da utopia tecnolgica?

Andr Lemos O problema da utopia sempre colocar esperanas ou colocar a f no dispositivo em si. Historicamente, ns temos feito isso. No h uma causalidade que ns possamos colocar como unvoca nesse sistema. Por isso, a utopia positiva, por um lado, pois est sempre nos colocando para alm do nosso aqui e agora. Mas, por outro lado, temos de nos precaver em relao idia de que a simples disponibilizao de redes, tecnologias, artefatos e dispositivos ir causar essa transformao. O perigo acreditar que passamos a viver no melhor dos mundos, ou que estejamos nos comunicando melhor, ou mesmo criando uma espcie de planeta mais inteligente, cooperativo etc. Essa utopia existe desde sempre e 2/3 da populao hoje vive fora das condies mnimas de existncia. Ento, o sonho moderno de que o progresso tecnolgico-cientfico ir solucionar todos os nossos problemas no funciona mais. Toda essa utopia atual voltada para isso hoje, pois todos esses dispositivos lanados nessa fase dizem isso: que vivemos num mundo sem fronteiras e viramos nmades. Por isso, o perigo est em dois aspectos: na crena linear no dispositivo e em achar que tudo isso no serve para nada e que est ligado ao mesmo sistema dos meios de massa.

IHU On-Line Em sua opinio, como a nova gerao da rede afeta a mdia?

Andr Lemos Eu acho que a nova gerao est afetando, primeiro, pelo vis do consumo. Hoje, o tempo que os jovens dedicam internet grande. Temos visto que o uso intensivo dos dispositivos tecnolgicos cria uma crise de acesso aos meios massivos. Ento, as grandes empresas de comunicao esto tendo de se adaptar a essa realidade e, assim, passam a utilizar esses recursos para ligar os dispositivos tecnolgicos e suas possibilidades aos meios massivos.

Em segundo lugar, a possibilidade que essa gerao tem de produzir informao. Isso bastante sedutor e faz parte da cultura da juventude, causando um problema entre a forma de produzir contedo e a forma de colaborar. O meio de massa tem sua importncia, mas nos coloca algumas perguntas: Quem sou eu para produzir informao? Quem sou eu para produzir um livro? Quem sou eu para fazer uma exposio de foto? Quem sou eu para aparecer na televiso?. Hoje, temos possibilidade para fazer tudo isso inclusive e de uma maneira aberta. Ento, a meu ver, os jovens utilizam muito esse meio por essa potncia da emisso da informao. H uma migrao que abala a indstria cultural. A mediao no mais dos intelectuais, dos jornalistas, da Igreja, dos militares, dos governos. Ela se d entre os prprios usurios.”

2 Replies to “Utopia”

  1. Oi, Professor. Vi sua entrevista no TVE debate e, como sempre, foram muito pertinentes suas colocaes. Gostaria de saber quando haver evento semelhante ao ciclo de seminrios sobre Cibercultura no sculo XXI. Convido-o tambm a conhecer o meu blog , que trata de assuntos tecnolgicos e msticos numa costura interessante baseada nas minhas experincias de vida. Ainda est no comeo, mas j tem algumas coisas interessantes. At l!

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