Steve Jobs e Cibercultura

Esse post foi motivado por e-mails e tweets discutindo o post do Rodrigo Savazoni no Trezentos intitulado “A morte de Steve Jobs, o inimigo número um da colaboração”. Na mesma vibe, Richard Stallman declarou: “Estou feliz porque Jobs se foi”.

Sou amigo e admirador do Rodrigo Savazoni e entendo a sua verve, mas o texto é tendencioso e um pouco exagerado. Mas bons textos são sempre assim. Exagerados, passionais, polêmicos, instigantes. Só esses merecem mesmo comentários. Vou dar uns pitacos então, já que me perguntam sobre o que eu acho da polêmica. Vamos lá.

Savazoni ressalta, com razão, a importância da abertura e da colaboração na internet, no movimento do software livre e na cultura digital em geral (no que estamos todos de acordo), mas é historicamente injusto com o que fez Jobs e a Apple. Essa cultura existiria sem a microinformática, sem ipods, iphones e hoje ipads, devedoras das inovações da Apple (ver mais abaixo)? Difícil imaginar. Nem o Windows existiria, o que poderíamos até pensar em ser uma benção. :-)) Mas também talvez não tivéssemos a internet, as redes sociais, o movimento do software livre etc. Não temos como voltar atrás. Temos que lutar, sim, por um futuro mais aberto, mas também que funcione, que seja belo, interativo, que gere paixão… A gente não quer só comida!

Certamente a Apple é uma empresa de software proprietário, que visa lucro, que tem um modelo que hoje faz sucesso e amarra o usuário em compras de aplicativos e conteúdos, que o aprisiona em atualização de cabos e adaptadores a cada novo dispositivo criado, que opera na lógica do mais forte do feroz capital. Ninguém tem dúvidas sobre isso. Mas o que se está homenageando é a história da Apple, a inventividade e audácia de Steve Jobs que, ao meu ver, foram fundamentais para a criação e consolidação da cibercultura, queiramos ou não.

Devemos ver essa influência na cultura digital como um todo. Talvez tivéssemos mesmo uma melhor cultura digital se a IBM, a Microsoft, a Apple, e hoje o Google, o Facebook ou outras empresas proprietárias não tivessem se tornado hegemônicas, e tivéssemos construído uma cibercultura apenas com copyleft, software livres, estruturas amplamente colaborativas, modelos de negócios abertos etc. A internet é isso! Há portanto espaço para esperança. Mas na minha opinião, uma coisa (a cultura da colaboração que surge na cultura digital) não pode desmerecer, ou pior, esquecer a outra (a importância de Jobs e da Apple na história da cibercultura). 

Acusar Jobs de ter trabalhado contra a cultura da criatividade, ou ter sido o “inimigo número um da colaboração” me parece exagerado. Ele não foi tão grande assim Rodrigo! Ele foi, certamente, muito mais do que ele mesmo pensou. Mas não teve tanto força assim. Jobs é agora uma “caixa-preta”. Ele não fez nada só. É um símbolo importante e deve ser reconhecido como tal. E não nos esqueçamos que há/houve outros gigantes nesse domínio: Turing, Von Newman, Sutherland, Licklider, V. Bush, Cerf, Berners-Lee, Stallman…Falar da genialidade de Jobs não significa canoniza-lo ou esquecermos dos outros. Longe de ser uma figura fácil, Jobs era autoritário, arrogante, vaidoso…Mas quem pode atirar a primeira pedra?

Rodrigo está certo. Temos que lutar por uma cultura da criatividade, com plataformas abertas e software livres. Mas não ver a grandeza de Jobs, me parece injusto e desproporcional. Vejam o prossseguimento do debate sobre o post do Rodrigo no Trezentos aqui. Para quem não sabe o que a Apple inventou, inovou ou foi a primeira a colocar nas mãos de todos, sendo fonte de cópia para todos, ver a lista abaixo. (fonte):

Uma interface gráfica, ícones, um desktop.
O uso do mouse.
O clique duplo (double click) e o drag-and-drop (clicar-e-arrastar) para realizar ações com o mouse.
WYSIWYG em edição de texto e gráficos (“what you see is what you get” – “O que você vê é o que você obtém”).
Nomes de arquivo longos, com espaços e sem extensão (até 31 caracteres antes do Mac OS X, aumentado para 255 caracteres com o Mac OS X).
O leitor de disquetes 3.5″ de série.
Áudio de série, incluindo um alto-falante de qualidade.
A impressora laser PostScript.
Publicação pessoal (Desktop publishing).
Programação pelo usuário através do HyperCard e AppleScript.
A interface SCSI (Mac Plus, 1986).
Entrada de Áudio de série (Mac IIsi & Mac LC, 1990).
Leitor de CD-ROM de série (Quadra 900, 1991).
Um ambiente de trabalho único distribuído em diversos monitores.
Suporte Ethernet de série (Quadra 700 & 900, 1991).
Universal Serial Bus, a popular entrada USB que substituiu diversas outras, se tornando um padrão mundial e atualmente usada em Pen Drives e MP3 Players.
FireWire, também conhecido como IEEE 1394, um standard desenvolvido pela Apple e promovido também pela Sony sob o nome iLink (G3 Azul e Branco, 1998).
Rede sem fio IEEE 802.11b e IEEE 802.11g (wireless networking), denominados comercialmente AirPort, AirPort Extreme, e AirPort Express pela Apple (iBook original, 1999).
O abandono do leitor de disquetes (iMac original, 1998).
O primeiro computador disponível comercialmente a se basear principalmente no USB para a conexão de periféricos. (iMac original, 1998).
Arquitetura RISC na forma do processador PowerPC, desenvolvido conjuntamente pela Apple, IBM e Motorola (Power Macintosh 6100, 1994).
O primeiro leitor DVD-R a preço popular (“SuperDrive”, Power Mac G4, 2000).
Monitores planos de série (iMac G4, 2002).
Primeiros notebooks com mouse de série e teclados externos (série PowerBook 100, 1991).
Primeiro notebook com replicador de portas, para uso como desktop (PowerBook Duo, 1992).
Primeiro notebook com monitor de tela larga (PowerBook G4, 2000).
Primeiro computador pessoal a arquitetura 64-bit (PowerMac G5, 2003).

E mais recentemente:

iPod
iTunes
Macbook Air
iPhone
iPad

É pouco?