Speed
“La splendeur du monde s’est enrichie d’une beauté nouvelle : la beauté de la vitesse.”
Filippo Tommaso Marinetti
A velocidade era para o futurismo uma religião e uma moral. Desde a revolução industrial, a velocidade está sempre associada ao desenvolvimento, a performance e eficiência. Ser lento é quase um ofensa. Aqui a velocidade liga-se ao movimento, tendo na máxima aristotélica, “movement = life”, seu princípio fundamental. Mas esse princípio derrapou rapidamente para “more movement = more life”, equação bastante questionável.
CAC, Montreal
Recentemente, conversando um professor e artista das novas tecnologias ele me dizia estar cansado da academia por ser ela muito lenta. E ele tem razão. A academia é lenta já que a reflexão e a crítica exigem tempo, e o tempo é o inimigo da velocidade. Temos certamente que pensar em Bergson e na dimensão enriquecedora da “durée” e não do tempo descontínuo que regula as nossa vidas. Não é natural a forma como vivemos o tempo e o movimento, mas cultural. Culturas diferentes, todos sabem, vivem diferentemente o tempo e organizam suas vidas de forma independente dos relógios ou da agenda semanal.
Hoje, em tempos de “tempo real” e da imediaticidade da informação, o freio a velocidade se impõe como um lugar do pensamento. A aceleração, mais do que a velocidade, é o problema. Mídia e transporte aceleraram os movimentos: aqui os movimentos virtual da informação e físico dos transportes. O século XX, e mais ainda o século XXI, são séculos da velocidade e da aceleração física e informacional. Vejam a foto abaixo onde o trem e a máquina de escrever são colocadas em um mesmo fundo dessa religião e dessa moral do “mais rápido”. O imaginário aqui é explícito e fez a base de toda uma geração.
Mas os movimentos podem ser ainda de três tipos: lentos (aceleração decrescente), rapidos (aceleração crescente) ou estáveis (aceleração nula) e devemos pensar nessas dinâmicas da mobilidade para compreendermos a cultura contemporânea em meio à revolução das tecnologias e redes da “mobilidade”.
Os debates ontem no evento “Speed and its limits”, como apontei no último post, foram multidisciplinares e não vou resenhar o evento, mas apenas destacar alguns pontos que me fizeram pensar sobre a questão ligada a comunicação móvel digital.
Tamar Zinguer, falando sobre a “velocity of play” nos anos 1990 (mas que se mantém nos computer games atuais).
Pierre Merlin fez uma conferência sobre os problemas em se manter a velocidade (no caso da mobilidade física) e os movimentos atuais em uma perspectiva da atual crise energética. Os constrangimentos para o futuro podem ser colocados em três grandes pilares: energia, clima e finanças mundiais. Ele mostrou que a velocidade dos transportes vem diminuindo: os aviões são mais lentos do que nos anos 1980, os carros são mais rápidos mas se deslocam a uma velocidade média também menor do que no fim do século XX e as políticas urbanas estão limitando cada vez mais o uso dos transportes individuais de alto consumo de energia (carros), priorizando os transportes coletivos (ônibus e metrô) e menos poluentes (a marcha e a bicicleta).
Projeto de bicicletas públicas em Montreal, BécikVerts, a primeira cidade na América do Norte, como Vélibe em Paris e em Lyon.
Há assim uma tendência que aponta para uma velocidade que, nos próximos 20 anos, vai estagnar e mesmo diminuir. Uma solução apontada por Merlin seria criar, nas cidades, zonas que favorizem a proximidade, evitando assim, grandes e dispendiosos (para o planeta) deslocamentos. Deve-se assim estimular uma outra concepção das cidades e começar a produzir o que Merlin chamou de “mobilité paresseuse”, ou seja, uma “mobilidade preguiçosa”.
Bikeflânerie pelas pontes e ilhas de Montreal
Infelizmente Merlin não analisou o impacto das novas tecnologias. Apenas apontou que elas podem diminuir os deslocamentos, mas que não há relação direta entre a diminuição dos deslocamentos e as novas mídias. As pessoas hoje se deslocam mais, tanto fisicamente como informacionalmente (produzindo e consumindo informação, no que chamo de funções pós-massivas). Mas podemos pensar que essa mobilidade pode não ser a da aceleração e criar condições para uma mobilidade “lenta” ou “douce” que estimule a flânerie, a promenade, a errance, que a velocidade atual tende sempre a inibir como “perda de tempo”. Devemos pensar mesmo mais seriamente no que seria essa “perda de tempo”. A cultura do futuro (dos próximos 20 anos) deve levar essa questão a sério. Robert Levine falou ontem de uma determinada cultura na Ásia onde essa questão não faz o menor sentido…e se pensarmos com mais seriedade não faz mesmo. Ela só faz sentido em uma vida projetada no futuro e insensível ao aqui e agora. Ao falar sobre a perda de tempo, Levine foi questionado por um nativo: “como é possível perder tempo?”
Temos mostrado nesse Carnet como projetos de artistas com as mídias locativas tendem a estimular uma apropriação criativa dos espaços urbanos, a criação de novos sentidos dos lugares, o reforço da proximidade e da comunidade. Esses projeto são, certamente, minoritários, mas devemos pensar neles como “sintomas” ou, na melhor das hipóteses, como tendências. São idéias factíveis para uma melhor vivência no espaço urbano. Essa apropriação é, por essência, oposta ao percurso rápido, eficiente e pouco atento ao contexto, como fazemos diariamente ao nos deslocarmos para “resolvermos coisas”, ou para “não perder muito tempo”.
Outras palestras – Edward Dimendberg e a “arquitetura lenta”, sobre o High-Line em NY
É certo que as telecomunicações não diminuem a mobilidade e sempre o crescimento dos transportes físicos estiveram associados à mobilidade informacional, às telecomunicações: navios e rádios, trem e telégrafos, carros e telefones, aviões e internet…No entanto, as possibilidades de uso das tecnologias móveis podem estimular um deslocamento mais lento e talvez resgatar a proximidade evitando o imperativo da aceleração. Essa é a idéia chave: não instituir a imobilidade, mas desenvolver uma velocidade menos agressiva e mais compatível com o desenvolvimento sustentado do planeta. Pensemos, por exemplo, no uso dos dispositivos móveis e das redes de acesso a informações sem fio. Certamente elas não me fazem imóvel, mas me permitem um maior controle sobre a minha mobilidade e coordenar, sem aceleração do movimento físico, encontros. Podemos, e já fazemos várias dessas ações atualmente: acertar encontros com um tempo mais fluido, ajustando-o por mensagens de voz o texto com celulares ou laptops; resolver problemas por telefone, email, SMS, web ou micro-blogs em qualquer lugar sem que seja necessário chegar “rápido”; acessar informações em mobilidade (por exemplo, saber onde esta passando tal filme em um cinema próximo) que me permitam chegar com menos pressa aos lugares; etc. Não se trata de inibir a mobilidade mas de torná-la, por assim dizer, mais lenta.
Ontem alguém na platéia recuperou a fábula de La Fontaine, “A Lebre e a Tartaruga”, mostrando que quem ganha não é aquele que tem a maior velocidade (mobilidade acelerada), mas o que desenvolve uma mobilidade persistente, focada em uma finalidade. A fábula é assim mais do que atual.
As mídias locativas, potencialmente, para além do buzz comercial (que nos colocam como consumidores e não como agentes produtores e transformadores da realidade), podem ser esse conjunto de instrumentos inteligentes para o desenvolvimento dessa “mobilidade preguiçosa”, junto, obviamente, com outras ações que pensem no bem estar planetário e coletivo. Mas como sempre, nada está dado e, infelizmente, como diz Merlin, ainda há muito petróleo, gás e carvão no planeta.