Movimentos Sociais 2.0
No h lderes, mas ideias circulando.
As redes sociais e a internet trazem um novo paradigma comunicacional. Diferentemente dos mass media (TV, rdio, jornais impressos, revistas) a comunicao flui de forma descentralizada, mais horizontal e sem um plo de emisso que controla o fluxo das informaes.
A cultura das mdias de massa se caracterizou pela centralizao da informao por editores que devem selecionar o que , ou no, de interesse pblico. Assim sendo, os meios massivos atuam de forma a agendar e a enquadrar o debate pblico. Por agendamento podemos compreender a pauta que os meios de massa propem ao pblico para discusso. aquilo que conversamos na segunda-feira aps assistir ao Fantstico no domingo. Por enquadramento, entende-se a forma como a notcia contada e veiculada. Ela baliza a maneira como a opinio pblica a recebe e a distribui. a posio (poltica, ideolgica) que determinado veculo adota ao difundir uma informao.
Nesse sentido, podemos dizer que nas mdias de massa, como a TV aberta, os jornais e o rdio, o fluxo de informao flui de um para todos, de plos de emisso centralizadores, para uma massa de leitores. Os meios de comunicao social formam uma audincia, um ou o pblico. Com esse poder, uma rdio local pode promover o pnico quando Orson Wells l, em 1938, um texto de fico cientfica (A Guerra dos Mundos, de Herbert George Wells).
Com as novas formas miditicas em jogo com a internet, outro modelo comunicacional entra em circulao, muito prximo e bastante parecido com o da conversao. No h um plo claro de emisso, nem a formao de o pblico receptor, constitudo nos mesmos moldes. As informaes nas redes circulam hoje de forma mais transversal e so potencializadas por cada receptor que torna-se, por sua vez, tambm um emissor. Ele no mais apenas um leitor receptor, como o pblico dos mass media. Ele produtor e distribuidor de informaes. Esse novo modelo, que chamo de ps-massivo, no tem um plo centralizador da emisso, pulverizando as formas de agendamento e de enquadramento. Uma mensagem circula por diversos mediadores (diferente da informao massiva), ganhado caractersticas prprias.
O agendamento e o enquadramento no deixam de existir, mas tornam-se mais difusos. Ao modelo massivo um – todos, aparece com a Internet um modelo ps-massivo, todos – todos. A liberao da emisso (todos podem, em tese – e no mais apenas os centros anteriormente legitimados como as grandes empresas jornalsticas e de radiodifuso, ou as assessorias oficiais de governos e governantes – produzir e distribuir informao sem pedir autorizao ou concesso do Estado) e a comunicao por mltiplas conexes, ampla e planetaria (circulando por diversos canais e sob diversas modalidades – imagens, sons, textos), reconfiguram a paisagem miditica contempornea.
No se trata de um modelo (ps-massivo) substituindo o outro (massivo), mas da convivncia dos dois de forma s vezes tensa, s vezes complementar. Nesse sentido, a paisagem comunicacional contempornea mais prxima do princpio da comunicao (trocas bidirecionais) do que do princpio informacional (unidirecional e massivo). O poder massificador, de agenda setting ou de enquadramento no existem da mesma forma nos meios ps-massivos. H remediao (ao de formas miditicas umas sobre as outras), interferncias mutuas, recursividades, mas no se pode dizer que o poder unilateral e massivo impere sem entraves hoje em dia.
Se isso verdade no campo da circulao de informao por empresas jornalsticas ou pessoas comuns, o mesmo acontece com a dimenso poltica dos movimentos sociais que usam as ferramentas da internet. O conjunto de movimentos sociais complexo e vasto. H os movimentos sociais clssicos, que funcionam a partir das instituies da sociedade civil organizada como partidos polticos, organizaes de classe etc. Nesses, pode-se identificar um comando e intenes precisas. Eles continuam a existir e so fortes. No entanto, gostaria de destacar aqui aqueles que surgiram nos ltimos anos (muitos de forma espontnea, sem uma origem muito precisa), e que usam a internet de maneira descentralizada e sem lderes, para as mais diversas reivindicaes. Muito autores chamam esses de movimentos sociais 2.0, fazendo referncias as tecnologias digitais em rede. No h lderes, no h partido poltico e, em muitos casos, os objetivos no esto muito claros.
Dada essa caracterstica descentralizada da comunicao contempornea, esses novos movimentos sociais passam a utilizar dispositivos (computadores, tablets e celulares) e redes e mdias sociais da internet (SMS, Facebook, Orkut, Twitter, YouTube, Blogs) para fazer valer suas vozes e protestar. Antes, tomar o poder significava ter em mos as mdias de massa, j que assim as mensagens eram distribudas de forma centralizada e os lderes natos (ou impostos), podiam fazer valer suas ideologias para um pblico receptor, leitor. A comunicao transversal era limitada, e o poder do lder tinha como canal o poder central da mdia.
Nossa poca uma poca de crise das ideologias, da ausncia de lderes e de canais de comunicao exclusivos ou centralizados. A pulverizao a caracterstica da poca. Agora todos so leitores e escritores. Samos da cultura do read only para uma cultura do read and write (Lessig). Diversos movimentos sociais 2.0 tm ocorrido pelo mundo, usando a internet, sem que haja uma reivindicao de um lder, de um partido poltico ou de uma classe precisos. Quem o lder do movimento Occupy que se espalhou pelos EUA e Europa no fim do ano passado? Quem so os lderes da revoluo rabe (como as que ocorreram na Lbia, na Tunsia, no Marrocos, utilizando o Facebook, o Twitter, os blogs e o YouTube); ou do movimento dos indignados na Espanha que ocorreram em 2011? Quem foram os lderes dos movimentos conhecidos como Smart Mobs na Espanha, que mudaram os rumos das eleies aps os atentados s estaes do metr em Madri, em 2004, ou nas Filipinas em 2001, quando uma enxurrada de SMS causou uma movimentao forte que derrubou o presidente Joseph Estrada? Quem so quem o lder dos Anonymous?
No se trata de uma dificuldade de se identificar os lderes. Trata-se efetivamente de novas formas de organizao que no comportam mais as centralizaes pessoal ou partidria. uma estratgia, uma forma mais eficaz de agir. Lembremos que as redes de computadores so ferramentas de circulao e descentralizao da informao. A internet surgiu para isso. Para descentralizar a informao em plena guerra fria. Os movimentos sociais 2.0 reconhecem nessas caractersticas uma fora que pode ser usada em prol de uma causa. No podemos identificar os lderes, pois eles simplesmente no existem. Instituir uma liderana nesses movimentos apenas um mecanismo anacrnico de imputar a culpa a um bode expiatrio.
No h lderes, mas a constituio de multides inteligentes (que usam as novas tecnologias) para fazer circular informaes e ideias, como em uma ampla conversao. Nesse processo, novas vozes surgem e se agregam, fazendo circular novas informaes, novas ideias, sentimentos, protestos e reivindicaes. No se sabe exatamente de onde ou como elas surgem. Mas elas circulam rapidamente, de forma viral. O poder emerge justamente da. A fora das redes sociais como Facebook, Orkut, Twitter est justamente nessa circulao descentralizada, sem lderes.
No podemos mais falar em lideranas no sentido clssico do termo (um lder carismtico, um partido poltico, um messias), mas em multides e coletivos inteligentes que se articulam, sem centro, em prol de uma causa. Dificilmente movimentos que nascem nas redes sociais como o Facebook ou o Twitter tm uma liderana. Se tiver, eles se desfazem. Se um partido tentar tirar vantagem do movimento, ou um lder tentar tomar as rdeas dos movimentos, rapidamente os diversos atores envolvidos reagem e abandonam a causa. Esse tipo de articulao no tem eficincia nas novas redes sociais. Isso funcionava bem nos meios de massa. E ainda funcionam. Mas no nas redes sociais da internet. Imputar a liderana a algum que participa dessa cadeia de circulao de idia como dar um tiro no escuro. Ao atingir algum, diz-se: esse o lder.
Para referncias sobre os temas aqui tratados, ver:
frica e a Revoluo 2.0: Activismo em rede e militncia no terreno., in http://passapalavra.info/?p=39994
A tinta vermelha: o discurso de Slavoj Zizek no Occupy Wall Street – http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/esp_1659/a+tinta+vermelha+o+discurso+de+slavoj+zizek+no+occupy+wall+street.shtml
Bolter, J. and Grusin, R., Remediations Understanding new media., MIT Press, 2002.
Castells, sobre Internet e Rebelio – http://www.outraspalavras.net/2011/03/01/castells-sobre-internet-e-insurreicao-e-so-o-comeco/
Castells, M. No es crisis, es que ya no te quiero. http://eltallerdelaeam.com/manuel-castells-en-la-vanguardia-crisis-y-sistema/
Lawrence Lessig on read/write culture – http://lwn.net/Articles/199877/
Negri, Antonio; Hardt, Michael. Multitude. War and Democracy in the Age of Empire., Peguin Press, 2004/
Rheingold, Howard (2002). Smart Mobs: The Next Social Revolution. Basic Books.
Revoluo 2.0: da crise ao comum – http://www.quadradodosloucos.com.br/1939/revolucao-2-0-da-crise-ao-comum/
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