Littérature Numérique

Littérature Numérique

Escrevo esse post no trem para Québec onde participo de um evento, o ACFAS 2008 (como convidade de última hora). O trêm tem wi-fi a bordo, pago – 8 dólares por 24h (o primeiro que pego com esse serviço).


Trem com conexão Wi-Fi no Canadá, ViaRail Montreal-Quebec

Ontem ouvi duas mesas redondas, uma sobre a literatura na era digital e outra, “espace mobile”, sobre as transformações do bd. St. Laurent na VOX. Nesse post vou falar da literatura na era eletrônica.

A primeira mesa-redonda foi sobre a “Littérature Electronique”, no 10e. Festival Littéraire International de Montreal, com a presença de Hervé Fischer, Yannick B. Gélinas, Bertrand Gervais, Alice van der Kei e Bruno Guglielminetti, coordenador. A discussão ficou no reme-reme dos anos 90, a saber a literatura multimidiática, o hipertexto, o papel do leitor, agora autor, etc. Pouca discussão sobre a atulidade do fenômeno como os blogs e nada sobre os novos formatos como a literatura por telefone celular (muito popular no Japão) ou as experiências de construção literária multimidiática com as ferramentas locativas, como tenho exemplificado nesse Carnet.


Mesa redonda sobre literatura digital

A discussão, ao meu ver, foi interessante para um público leigo. O debate girava em torno de falsas questões: se o meio digital suporta ou não a literatura (blog é literatura?, hipertexto é literatura?), se o novo formato vai apagar as outras formas literárias, se será o fim da memória pela volatilidade eletrônica, se o leitor é ainda leitor ou um interator, etc.

Toda literatura é um hipertexto, onde o leitor é sempre ativo. Sou um leitor de romances e me sinto parte ativa da obra e me deleito com histórias contadas por outros sem que eu tenha que me colocar ou participar de alguma forma outra que não seja lendo. Há diferenças, entretanto, entre os formatos (e sempre foi assim desde a invenção da escrita). Com o meio digital a rede cria possibilidade de escritas coletivas (vejam o meu Janelas do Mundo). O meio digital e as tecnologias de acesso permitem formas diferenciadas de leitura (quando, onde e como) e a liberação da emissão abrindo as vias da distribuição a jovens escritores (que normalmente têm as portas das editoras fechadas).

Trata-se, na realidade, não do fim da literatura (quem poderia decretar isso?) mas da emergêcia de novos suportes e, consequentemente, de novos estilos. E “A” literatura é isso no final das contas, um amálgama de estilos que passou por diversos suportes até a canonização do codex medieval. A literatura não pode ser definida pelo suporte. Ela mudou ao longo os séculos e hoje assume uma outra forma que não é excludente. Há assim uma reconfigura?ão de estilos, mas não o fim da literatura. A literatura não é propriedade de um suporte. Não devemos pensar um formato contra um outro. O que vemos hoje é uma ampliação (argila, papirus, pergaminhos, codex, livros, hypercard, hipertexto web, blogs, celular, mídia locativa…)… E cada suporte tem seu charme, sua poética e seus leitores. No fundo somos nós os multimidiáticos, não os suportes. O que vemos hoje é uma expansão de formas expressivas da ficção (celulares e mídias locativas como filhos mais novos). Cabe aos artistas escritores definirem seus rumos. A questao não é a morte de uma forma hegemônica, o Codex, mas a abertura e o convívio de várias maneiras de se “contar histórias”.


Leitor no metrô de Montreal

A mesa chamava a atenção para a necessidade de se conservar a memória (supostamente garantida no impresso e fragilizada com o digital) e que ainda haveria necessidade de um suporte material. Ora, mais uma vez tenta-se aplicar procedimentos do codex ao meio digital. Podemos certamente dizer que a memória que temos da literatura mundial está longe de ser uma memória exaustiva do que foi produzido nas diversas épocas da humanidade. Livros foram destruídos, escritores banidos, reprimidos…(vejam o belo livro “História universal da destruição dos livros – Das tábuas sumérias à guerra do Iraque” do venezuelano Fernando Báez). A memória que temos hoje na materialidade do impresso é aquela produzida por poderosos vencedores ao longo dos séculos. Hoje a efemeridade do digital pode ser um traço do estilo…e será conservado aquilo que mais circular, já que no digital o consumo é a circulação. Talvez essa forma de manutenção de uma memória literária coletiva aberta seja mais interessante do que aquela assumida por instituicoes que filtram e estão a mercê dos poderes constituídos.

Mais uma vez os três princípios gerais da cibercultura se aplicam aqui: emissão, conexão, reconfiguração.