Internet Segura – Campus Party 2012

Minha fala de 15 minutos na mesa redonda “Conectando Geraes e Descobrindo o Mundo Digital Juntos… com Segurana”, na Campus Party, tera, dia 7 de fevereiro. Agradeo Safernet e especialmente ao Rodrigo Nejm pela oportunidade.

“Le besoin de scurit asphyxie l’me” – Alexandre Jardin

No hotel onde estou hospedado o elevador exige o uso da chave do quarto para se locomover. Dentro do elevador, um monitor com news me faz olhar exatamente para onde est a cmera de vigilncia. Essa hiper segurana me diz que estou em um lugar muito perigoso que justifique essas medidas? Ou tornou-se um comportamento padro, exigido por seguradoras? De uma forma ou de outra, mais instrumentos de segurana aumentam a minha sensao de insegurana, seja pelos dados e imagens que so retirados de mim, seja pelo perigo real de atentado minha integridade fsica.

E no monitor dentro do elevador leio a notcia: “Redes sociais so mais tentadoras do que lcool e cigarro”. Pesquisa da Universidade de Chicago, se no me engano. Ora, algo que mais tentador do que duas das drogas que mais matam, incluindo as drogas ilcitas, s pode ser ruim e ser controlado.

Estou vindo de Salvador onde uma greve da polcia militar faz imperar o terror. Salvador insegura, mesmo com todo o aparato policial. Mas agora as pessoas esto ainda mais assustadas. Blindados e homens armados trazendo mais segurana e sensao de mais insegurana. A segurana em Salvador, comparado com pases europeus, Canad, EUA, inexistente. Mas vivemos nessa insegurana e nos acostumamos ela. Vivi na Europa e no Canad e os europeus e canadenses sentem tambm insegurana.

A noo de segurana cultural e est diretamente vinculada sensao de medo e insegurana. Mas ela tambm temporal. O que seguro hoje, pode no ser amanh. Por exemplo, nunca usei protetor solar. Essa segurana no se colocava. Hoje obrigatrio. No usava cinto de segurana no carro! Hoje lei. Devemos assim pensar sempre em nveis de segurana. A segurana sempre relativa e deve ser vista dentro de contextos culturais, sociais e temporais. Dispositivos de segurana devem ser vistos como phrmacos, ao mesmo tempo veneno e remdio.

Vejamos a Internet. Se formos pensar em uma internet segura, ela seria tambm totalitria, controlada, sem liberdades individuais e de informao. Nesse sentido a internet chinesa deve ser super segura, mas no um modelo a ser copiado por pases livres e democrticos.

Podemos dizer que as formas de sociabilidade em rede, ou as redes sociais so: Formas de sociabilidade onde h sempre exposio de si, confiana, imitao, construo identitria, gerenciamento de impresses, negociao de nveis de privacidade e de anonimato. No tempo podemos usar trs ideais-tipo dessas “redes sociais” que no so necessariamente excludentes.

Sculo XVIII/XIX – bares, cafs, praas. Espaos pblico e semi-pblico, exposio de si no corpo a corpo, gerenciamento de impresses em classes bem demarcadas; onde o que se faz no armazenado como dados ou perfis. Comea uma biopoltica que passa a recrutar dados pessoais para controle, monitoramento e vigilncia.

Sculo XX – shows, shoppings, praas, praias. Exposio de si no corpo a corpo, gerenciamento de impresso multicultural, fluida e pret--porter; onde o que se faz comea a ser armazenado como dados ou perfis. Expanso de registros imagticos, sonoros, e de dados pessoais para controle, monitoramento e vigilncia.

Sculo XXI – Internet. Exposio de si na construo de perfis em comunidades de interesse e de amigos. Fim do sculo XX as comunidades virtuais temticas, annimas e despersonalizadas. Hoje, incio do sculo XXI, sites de redes sociais, em servios como Google, Orkut, Facebook, Twitter. O que se faz armazenado como dados gerando perfis como fonte de riqueza para controle, monitoramento e vigilncia de empresas, governos, polcias, marketing e publicidade.

Minerao de dados atentado privacidade e ao anonimato. Sujeito gerador de perfis pr-ativos. Segurana controle, monitoramento e vigilncia. Insegurana controle, monitoramento e vigilncia. Muita segurana um veneno que aniquila a vida, inibe relaes, gera desconfiana, criando pnico e mais insegurana. Sempre que falamos de segurana pressupomos um sujeito inseguro, no passado, no presente e no futuro (exemplos: cmeras de vigilncia, protetor solar, cinto de segurana ou proibio do acesso de jovens internet). Por outro lado, a no existncia de dispositivos de segurana pode gerar barbrie, vandalismo, criminalidade, desrespeito aos direitos humanos e a dignidade da pessoa.

A internet uma rede de controle de protocolos e de vitalismo social. A segurana dos protocolos o que garante o funcionamento da rede. A vitalidade social o que d sentido a esses protocolos e a expanso da rede.

Conectar geraes e descobrir o mundo juntos no pode ser apenas uma expresso que sirva para que as geraes que detm o controle e os protocolos exeram um poder totalitrio sobre as geraes mais jovens, impondo vises de mundo e formas comportamentais. Esses ltimos criaram a rede e a mantm como associao, ou seja, como o que podemos chamar de “rede social”.

Forma de contestar segurana so formas de impulsionar inovaes, garantir liberdades, reforar laos de colaborao e participao. Exemplos:

Hacking (Anonymous e Megaupload),
Redes P2P,
Discusso sobre copyright,
Ciberativismo por redes sociais contra regimes polticos (exemplos: primavera rabe, porta do sol na Espanha, movimento occupy),
Movimento contra acordos como o SOPA, PIPA, ACTA ou lei Azeredo.

Nesses casos, empresas e governos falam em nome da segurana. Mas de que segurana estamos falando? Essa relao no a de conectar geraes e descobrir um mundo juntos, mas de imposio de uma estrutura que freia a inovao, as redes de sociabilidade, a liberdade e a cooperao em nome da “segurana” de um modelo em vias de transformao e falido.

O mesmo podemos dizer da relao dos pais (felizmente, alguns deles) com seus filhos onde os primeiros, em nome da segurana dos ltimos, impem vises de mundo, desconhecem a revoluo digital e inibem a expanso da “inteligncia” compartilhada e colaborativa, produtora de contedo que est em marcha (escrever, ler, fotos, vdeos, msicas), instituindo a represso pelo controle e vigilncia do suposto sujeito inseguro que no merece confiana. Deve-se estabelecer uma relao de confiana, de dilogo e de abertura e pensar numa educao para os meios e no apenas para a internet.

Deve-se reconhecer a questo da internet segura como um phrmaco. A dose a chave para, por um lado, garantir a criatividade, a colaborao, sociabilidade, a inovao e, por outro, inibir a violao do direito das minorias ou dos mais vulnerveis. Conectar geraes e construir juntos pode ser interessante se no for apenas uma frase de efeito, ideolgica, totalitria que obrigue os mais jovens a obedecer a fora dos mais velhos (gerao, indstria, governos) que esto no comando.