Cidades Invisíveis, Cidades Rastreadas


Meus rastros coletados pelo iPhone em arquivo “secreto”.

Apresentei o trabalho “Cidades Invisíveis, Cidades Rastreadas” na “Conferência Internacional Cidades Inovadoras”, na mesa sobre “Cidades Digitais”, em Curitiba, no dia 18 de maio. Segue abaixo os slides da apresentação e um pequeno resumo do tema tratado (esse resumo faz parte de um artigo que será publicado na revista Comunicação e Linguagem, em Portugal ainda em 2011).

Essa conferência busca aplicar a teoria “Ator-Rede” (Actor-Network Theory – ANT) à análise do espaço urbano em meio às mídias locativas. O objetivo é oferecer uma perspectiva epistemológica que pense o social como “mobilidade”. A perspectiva da teoria ator-rede privilegia o conhecimento do social por conexões, mobilidades, mediações, traduções, fluxos, descrevendo as ações em movimento antes de enquadrá-las em “frames” teóricos ou estruturas interpretativa. Em meio a profusão de dados e de rastros deixados pelas mais diversas ações no espaço urbano por sensores, redes, tecnologias e serviços baseados em localização e mobilidade, a partir da ANT podemos tentar compreender a cidade como fluxo e não como estrutura. A estrutura a torna visível como espaço genérico, pronto para um planejamento urbano na cidade instituída, no fundo um espaço abstrato, invisível, construído como “mágica”, conformando o ESPAÇO SOCIAL (a sociologia do social). Por outro lado, a ANT nos dirige os olhos para os rastros, nos permite ver as conexões entre diversos agentes humanos e não humanos, nos mostra o que forma efetivamente o LUGAR DA ASSOCIAÇÃO, a cidade real (sociologia das associações) que se faz e refaz nas tramas urbanas. Para a ANT, o social só pode aparecer das associações (lugar) e não explicá-las previamente (espaço).

(…)

A ANT nos permite ver como os lugares se constituem por redes de atores que conectam sempre outros “sites” e temporalidades. Para Latour (2005) há sempre uma relação entre localização e contexto a partir de “articulators” ou “localizers”. Aqui, mais uma vez, o lugar não é independente do contexto, nem um mero refém deste. Há um vai-e-vem entre diversos mediadores que conectam “sites” e temporalidades fazendo do lugar o resultado de um atravessamento de fluxos. Para Latour nenhuma relação associativa em um determinado lugar é: “isotopic” (o que age em um lugar vem de muitos outros lugares), “synchoric” (reúne actantes gerados em diversas temporalidades), “synoptic” (não é possível ter uma visão do todo), “homogeneous” (as relações não têm as mesmas qualidades) ou “isobaric” (relações e pressões diferenciadas em cada lugar onde intermediários transformam-se em mediadores e vice-versa) (LATOUR, 2005, pp. 200, 201). Não se trata de globalizar o lugar nem de localizar o global, mas de pensar em uma “redistribuição” do local e do global.

(…)

Essa nova cartografia tem assim um papel de reconstrução da memória social, de engajamento espacial, de produção de sentido local, de reforço de vínculo identitário, e de produção de uma política da cidade. As novas cartografias, ao revelarem os rastros das associações, oferecem uma visão que não pode ser aprisionada por enquadramentos absolutos próprios dos mapas analógicos e do discurso generalista da dimensão espacial. É interessante ver como a ANT nos permite analisar as tecnologias e os mapas digitais naquilo que eles nos oferecem de melhor: os rastros digitais de actantes humanos e não humanos, fixos ou em movimento, revelando correlações e diferenças.

(…)

As tecnologias de informação e as redes telemáticas têm criado possibilidade de rastrear os dados sociais para diversos fins, inclusive de controle e vigilância. Recente livro, “The Social after Gabriel Tarde: Debates and Assessments”1, mostra a atual valorização do pensamento de Tarde. Alguns autores, inclusive Latour, vão questionar quais rumos teriam tomado o pensamento sociológico se Tarde, ao invés de Durkheim, tivesse sido o protagonista na história dessa ciência. Para alguns, um pensamento sociológico menos sujeito a regras gerais, a estruturas, mais próximo de variações não-hierárquicas seria hoje hegemônico. A máxima “o social é uma coisa” (Durkheim) teria sido substituída por outra: “toda coisa é social” (Tarde). Esse embate Tarde x Durkheim (que não faremos aqui) parece trazer um frescor às ciências sociais e mostra a importância de discutirmos ANT e materialidades no estudos da cibercultura.

(…)

Essas tecnologias fornecem dados finos das associações, das variações, das adaptações e das redes sociais que nenhuma estatística jamais pode oferecer (traços de navegações em tempo real, mapeamentos e articulações com escrita nos lugares, marcas das leituras feitas nesse deslocamento…rastros de uma mobilidade que se inscreve e se lê, revelando associações). É nesse sentido que o “traço” da vida social mostra bem a força da sociologia de Gabriel de Tarde e da ANT. A estatística, assim como um mapa mimético, diz algo sobre o genérico, funciona como um panorama (o espaço), mostra tudo, mas pouco revela. A estatística do social fala do geral sem descer às complexidades das associações, das redes e das relações entre os diversos actantes, humanos e não-humanos. Contrariamente, os rastros digitais, para o melhor ou o pior (vigilância), revelam as caóticas navegações e as fluidas associações pelo vivido (o lugar).

(…)