Cidade Invisível

No projeto Paris, Ville Invisible, Latour e Herman exploram, em textos e fotos a “Cidade-Luz”, uma cidade vista pelo mundo todo como uma das mais belas, amada e visitada por todos os povos mas, por isso mesmo, impenetrável, panorâmica, abstrata. Uma cidade por assim dizer invisível. Os clichés são inúmeros e, com certeza, Paris é uma das cidades mais fotografadas do planeta. Mesmo assim, o que se esconde é maior do que o que se revela. Explica Latour:

Paris, the City of Light, so open to the gaze of artists and tourists, so often photographed, has been the subject of so many glossy books, that we tend to forget the problems of thousands of engineers, technicians, civil servants, inhabitants and shopkeepers in making it visible. The aim of this sociological opera is to wander through the city, in texts and images, exploring some of the reasons why it cannot be captured at a glance.

Our photographic exploration takes us first to places usually hidden from passers-by, in which the countless techniques making Parisians’ lives possible are elaborated (water services, police force, ring road: various “oligopticons” from which the city is seen in its entirety). This helps us to grasp the importance of ordinary objects, starting with the street furniture constituting part of inhabitants’ daily environment and enabling them to move about in the city without losing their way. It also makes us attentive to practical problems posed by the coexistence of such large numbers of people on such a small surface area. All these unusual visits may eventually enable us to take a new look at a more theoretical question on the nature of the social link and on the very particular ways in which society remains elusive.

We often tend to contrast real and virtual, hard urban reality and electronic utopias. This work tries to show that real cities have a lot in common with Italo Calvino’s “invisible cities”. As congested, saturated and asphyxiated as it may be, in the invisible city of Paris we may learn to breathe more easily, on condition that we alter our social theory.

A invisibilidade e o imaginário serão os temas desse post, motivado por alguns projetos:

1. Imagine andar por cidades atuais tendo o seu deslocamento sendo projetado em mapas desse mesmo espaço, só que no passado. Ser um “flâneur” no túnel do tempo. Não seria interessante ter esse confronto do passado e do presente no momento mesmo da navegação pelo espaço urbano? O embate entre o invisível do passado e o destaque do presente não poderia ser assim revelado nesse caminhar cronotópico? O imaginário do passado e do futuro não se processariam nesse movimento no presente (no dia a dia)? O projeto Walking Throug Time propõe essa experiência no seu iPhone ou Android, começando por Edinburg:

No site podemos ler:

“Walking Through Time is a mobile application that allows smart phone users with built-in GPS to not only find themselves in the present, but find themselves in the past. By making available historical UK maps, users will be able to scroll through time and navigate places using maps that are hundreds of years old.”

E ver o vídeo:

2. O projeto Invisible City, quer fazer justamente o impossível: visualizar o invisível das cidades pelas redes sociais digitais em interpolação com os mapas do espaço urbano. Redes sociais criam topografias no espaço urbano da grande metrópole. Mostrar tecnicamente o invisível? Os designers Christian Marc Schmidt and Liangjie Xia revelam as camadas digitais invisíveis de NY, o que chamo de “território informacional” (info via Pop Up City). A dinâmica das redes sociais digitais revelam aspectos do espaço urbano, o que os autores chamam de “city of the mind”:

“Invisible Cities maps information from one realm -online social networks – to another: an immersive, three dimensional space. In doing so, the piece creates a parallel experience to the physical urban environment. The interplay between the aggregate and the real-time recreates the kind of dynamics present within the physical world, where the city is both a vessel for and a product of human activity. It is ultimately a parallel city of intersections, discovery, and memory, and a medium for experiencing the physical environment anew.”

Vejam o vídeo abaixo:

“Real-time activity is represented as individual nodes that appear whenever a message or image is posted. Aggregate activity is reflected in the underlying terrain: over time, the landscape warps as data is accrued, creating hills and valleys representing areas with high and low densities of data. In the piece, nodes are connected by narrative threads, based on themes emerging from the overlaid information. These pathways create dense meta-networks of meaning, blanketing the terrain and connecting disparate areas of the city.”

Invisible Cities from Christian Marc Schmidt on Vimeo.

3. De forma diferente, mas tentando identificar as camadas digitais e a navegação (ambas invisíveis) pelo espaço urbano, desenvolvemos em 2008 o projeto Survivall, em Edmonton, Canadá: uma experiência de escrita com GPS e de identificação de zonas wi-fi. Buscávamos escrever a palavra Sruvivall, de forma invisível, com um GPS, em 40 km da cidade (o traçado só é visível a posteriori) e mapear as conexões Wi-Fi (também invisíveis) por onde passávamos. Vejam aqui um mapeamento bem detalhado das redes wi-fi da cidade; e um resumo no Space and Culture mostrando o projeto:

“…the videos collected along the way show not only suburbia in winter snow but the blanket of private wifi signals, both closed and open which were detected at the beginning and end of each ‘letter’.”

Abaixo um vídeo do Survivall:

Concluindo:

Falamos de Paris, Edinburg, NY, Edmonton, mas podemos dizer o mesmo de todas as cidades do mundo. O imaginário global de uma cidade nada mais é do que uma forma de torná-la invisível, de transcendê-la em um panorama que mostra tudo, mas que nada revela. O que é Paris, a cidade-Luz, NY, a que nunca dorme, Salvador, a cidade da alegria, Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa, a não ser denominações de um panorama que as deixam pairar na invisibilidade genérica?

Pense na sua inserção no espaço urbano e verás que funcionas por “assinaturas” pontuais, por agregação aqui e acolá em sua dimensão concreta e imaginária (vou voltar a isso no final). Mas também, a sua inserção se dá por essa flutuação panorâmica no que ela tem de dimensão invisível, logo genérica e abstrata. Moro em Salvador (cidade “alegre”, “festiva”, “bela”, “histórica”, “negra”), mas na realidade “assino” apenas algumas partes dela, e são essas partes que fazem sentido e parte do meu dia a dia.

Tenho, no entanto, para sobreviver, uma visão global, panorâmica e abstrata que me informa sobre a sua real invisibilidade e que me coloca em uma generalização confortável, já que me permite navegar não mais em um insuportável vazio de sentido (as minhas pequenas assinaturas), mas sim no todo, no cliché que nos une em uma visão generalista, mas compartilhada. O global, artificial e falso, é o que torna as cidades invisíveis. Paris, cidade-luz, bela, turística…NY, que nunca dorme… Edinburg, navegável no passado….Edmonton na neve e na busca da sobrevivência… Em todas, identificamos o inominável, o que não está visível nos espaços urbanos que, no entanto, nos cercam irremediavelmente.

E para ficar no registro do impenetrável e do imaginário, recomendo um passeio pelos lugares inexistentes, pelos lugares imaginários da literatura, catalogados no excelente livro de Manguel e Guadalupi, o “Dicionário de Lugares Imaginários” (Cia das Letras, 2003). Lugares como Atlante, o castelo que parece queimar como uma tocha ao ser visto de longe, ou Jukan, vale coberto de grandes florestas do reino submerso de Pelucidar, ou mesmo Tsalal, ilha além do círculo ártico. Todos esses são lugares visíveis apenas na literatura, construídos pelo imaginário, mas invisíveis de fato, como o são as nossas cidades. Elas são visíveis, no imaginário panorâmico, abstrato e urbanístico, mas na realidade são todas invisíveis a olho nu, sendo apenas experimentadas, navegando-as, no corpo a corpo com o construído.