Lendo o excelente romance de estréia da canadense Anne Michaels, “Peças em Fuga” (Cia das Letras, 1997), caio em duas pérolas que transcrevo aqui nesse Carnet.
Uma primeira sobre tradução. Sabemos que toda tradução é uma transubstanciação do texto, e mesmo uma forma de traição necessária… mas essa imagem talvez seja mais interessante e revele uma verdade direta:
“ler um poema em tradução, diz Bialik, é como beijar uma mulher através de um véu” (p.86).
A outra passagem é mais longa, mas não menos bela:
“Em nosso frio e escuro apartamento canadense, verto água doce do mar, lembrando não apenas o lamento grego ‘para os mortos beberem’, mas também a aliança do caçador esquimó que verte água doce na boca de sua caça. As focas, vivendo na água salgada, sofrem de sede perpétua. O animal ofertou a sua vida em troca de água. Se o caçador não mantiver sua promessa, perderá toda a sorte; nenhum outro animal se deixará capturar por ele.
O melhor professor abriga uma intenção não na mente, mas no coração.
Sei que devo honrar as lições de Athos, principalmente uma: tornar o amor necessário. Mas ainda não entendo que essa é também a minha promessa a Bella. E que, para honrar a ambas, tenho de saciar uma sede perpétua.” (p. 96)