Wii Space
Já postei nesse Carnet sobre a console Wii, a partir de um debate sobre games aqui em Montreal. Mas não tinha ainda jogado. Vou reforçar o que foi dito no post anterior e ampliar um pouco a discussão (idéias preliminares, como sempre, “work in progress”, objetivo mesmo desse Carnet). A tese é simples: o Wii cria um espaço ampliado (“espaço wii”), fazendo com o que o lugar de onde se joga, e o movimento do corpo, tenham um papel de destaque: de residuais como nos outros jogos eletrônicos, eles passam a personagens centrais.
Foto tirada durante a palestra de Bart Simon, professor da Concordia.
Agora estou me exercitando com a console Wii. E é essa mesma a palavra, exercício. Meus braços estão doendo, suei a camisa e me cansei jogando algumas partidas de tênis. Viciado em futebol, nunca joguei tênis na minha vida. Agora jogo um pouco a cada dia, mesmo sabendo que, de forma alguma, essa experiência possa ser comparável ao jogo de tenis “real”. Mas isso pouco importa para o meu argumento. Esse não é o ponto. O que quero reforçar rapidamente aqui é a qualidade da console, a versatilidade e os papéis do “lugar” e do corpo na plataforma.
Os jogos eletrônicos, em geral, têm como espaço de jogo a tela do computador, ou a tela das consoles portáteis ou da TV. O lugar onde está o jogador, obviamente, não faz parte do jogo, mas influência na jogabilidade. Procura-se uma boa posição, boa luz, conforto, concentração, etc, para poder focar no que se passa nas telas. Ele é, por assim dizer, residual, e deve ser esquecido para que o jogo funcione bem. Na Wii, o lugar faz parte do jogo, criando o que vou chamar aqui de “espaço Wii” (um espaço lúdico) que prolonga o espaço das telas (que permanece, no entanto, fundamental – é um “video game”!). Literalmente, o lugar de onde se joga é incluído no jogo. Assim, não é apenas o conforto para focar na simulação que está em marcha, mas o rearranjo e o uso do lugar como espaço do jogo (retirar objetos, afastar móveis, se movimentar para um lado ou outro – ou seja “criar um espaço” para jogar). Esse lugar de onde se joga não é apenas residual, ele é incorporado aos games. A sala, o quarto ou qualquer outro lugar passam a ser elementos fundamentais do jogo. Cria-se o espaço do jogo, o “espaço wii”, assim como marcar com giz o chão cria o “espaço jogo de amarelinha”, ou desenhar ou criar traves em um campo, o “espaço jogo de futebol”.
Marcando o chão para o Jogo de Amarelinha
Da mesma forma, a dimensão corporal só reforça esse vínculo ao espaço do jogo já que ele é, como o lugar, “sentido” pelo sensor da console. Em qualquer jogo eletrônico, o corpo está presente, inclinado sobre o teclado, forçando as teclas, concentrando nas ações, batendo nos botões da console, etc. Mas, para o jogo, o que interessa é a função da tecla, ou dos movimentos efetuados nas consoles ou no mouse. Aqui o corpo é, como o espaço, residual. Nos jogos na console Wii, diferentemente, o corpo e seus movimentos são sentidos pelo sensor e são também elementos fundamentais do jogo, sendo incorporados ao desenvolvimento da ação. O jogo, na realidade, só acontece com esses movimentos no espaço. Descubro assim que determinados movimentos, no meu jogo de tenis, têm efeitos diferentes sobre o movimento da bola (estou aprendendo ainda) e não é à toa que médicos estão usando a console para treinamento em cirurgias. E ainda não usei o Wii Fit, que radicaliza ainda mais essa relação com corpo. Meu corpo sente o jogo (estou com dores nas costas e nos braços) e o lugar foi organizado para jogar (tive que tirar a coffee table, arrastar o sofa, tirar os objetos do alcançe das minhas cortadas e saques…).
Espaço e corpo em conflito extremo: Are wii have fun??
Corpo e lugar passam, consequentemente, de entidades residuais para entidades do jogo, transformando-se em personagens integradas ao espaço lúdico. Podemos falar então de “realidade aumentada“, como para os jogos pervasivos que usam o espaço urbano em relação com o espaço informacional. Vemos aqui mais um exemplo de como as tecnologias digitais reconfiguram os lugares, criando novas funções, novas dimensões e novas relações com o corpo. Mais do que a desmaterialização e a descorporificação no ciberespaço, o que estamos vendo com as mídias locativas, os jogos computacionais pervasivos e a console Wii, são novas formas de territorialização, de criação de novos sentidos do espaço físico e de tensões sentidas diretamente na carne!