Game, Wii, Place

Game, Wii, Place


Entrada da SAT


Nos muros da SAT, make money not art

Ontem assisti a série de conferências “Les Nouvelles frontières des Jeux Video” na SAT, “Société des Ars Technologique”, um dos centros mais importantes do Quebec e do Canadá sobre novas mídias e arte. O evento foi interessante por vários motivos: pela estrutura, pelas conferências e pelo ambiente descontraído. O evento (pago – $20, $10 estudante) oferecia um comes e bebes na recepção, 5 conferências e um ambiente de encontro para debate entre os participantes (palestrantes e público) no final.


Entrada da sala e bar

Ao entrar na grande sala, podemos ver computadores com jogos, alguns telões, um buffet e mesas e cadeiras espalhadas, estimulando o encontro e a troca de experiências. Inglês e francês eram as línguas correntes, e as pessoas passavam de uma a outra sem problema. Depois, uma fala de abertura ainda no lounge e a passagem ao auditório para as conferências. Achei interessante o arranjo espacial e temporal do evento, estimulando o bata-papo e o encontro em clima descontraído, quebrando a rigidez da tradicional “conferência, perguntas e respostas”.


Imagens da recepção no lounge da SAT.

A primeira palestrante foi Sylvie Gagnon (sobre formação e competências dos jovens para essa indústria que se mostra uma das mais promissoras no Canadá). Dos 10 jogos mais vendidos no mundo, 4 são feitos aqui em Montreal. Ela apresentou dados econômicos, sobre formação dos jovens, mercado de trabalho e política científica e tecnológica. Depois seguiram-se as apresentações de Reid Schneider, da ELECTRONIC ARTS (sobre design cooperativo a partir do jogo “Army of Two”), e de Jonathan Morin, de UBISOFT (sobre os preconceitos dos designers de jogo e a obsessão pelo controle do usuário e pela narrativa).


Phil Fish

O melhor da festa foram as palestras de Bart Simon, professor da Concordia, e de Phil Fish, independente, da POLYTRON. Fish falou sobre os jogos independentes, detonando as corporações em uma palestra criativa, crítica e com ótimo bom humor. Para ele a indústria pode aprender com os independentes já que 90% de tudo “is crap” e que o problema vem do tripé “money, fear e art”. Apontou a falta de inovação e o excesso de recursos que servem mais como pirotecnia do que como revelação de algo criativo. O incômodo dos dois palestrantes de Ubisoft e EA eram visíveis. Ele mostrou exemplos de jogos simples e afirmou que todo mundo pode fazer games, “com duas texturas, pixelados”. Apelou para a máxima: “lo-fi aesthetic; less is more”.


Palestra de Bart Simon

Deixei por último o comentário da palestra de Bart Simon por ser a que mais me interessou pelo tema da minha pesquisa atual, embora ele tenha sido o segundo a falar. Simon é coordenador de projetos sobre games, o Game Code e vigilância na Concordia University. Ele analisou o Wii mostrando como esse novo jogo incorpora o lugar e o corpo do usuário como interfaces.

Cruzando referências das teorias dos “new media”, sociologia, teoria dos jogos e antropologia, ele analisou o Wii como um jogo que cria uma realidade híbrida, onde o “espaço” do jogo é diferente daqueles dos jogos em consoles, ou em computadores, onde tudo se passa na tela. Embora ele não tenha se referido ao termo, podemos dizer que o Wii cria uma AR, “augmented reality”. O lugar importa já que não se trata nem de jogar para (console/PC), nem de entrar na tela (RV- Realidade Virtual), mas de jogar com o corpo, a tela e o espaço entre eles. O jogo inclui esse espaço de lugar, captando o movimento do corpo do jogador (já há aplicações na medicina, por exemplo) fazendo com que o jogo não se desenvolva apenas no espaço eletrônico, mas na sala (ou em qualquer outro lugar). Assim, afirma Simon, ele não é apenas visual, mas sinestésico. Ou seja, não dá para esquecer o corpo e o lugar onde você está.


Foto da apresentação de Bart Simon

O lugar é parte do jogo. O lugar importa e se redefine no jogo. Vejam meu último post sobre o uso de celulares em aviões. O mesmo acontece aqui: a sala se transforma, como acontecido antes com o surgimento do rádio, da TV e do telefone. O lugar não perde sentido, mas passa a ser parte atuante e uma exigência do jogo. Ele é agora ator. O sistema requisita ao mesmo tempo o corpo do jogador, a tela e o espaço físico entre eles. O lugar físico é uma interface ativa no processo, como nos jogos não eletrônicos (tenis, futebol, pega-pega…). Com o Wii, o game não mascara mais o lugar (como na rede ou na console), impondo a intersecção desses mundos em um sistema único. Assim, afirmava Simon, “os aspectos local e pessoal são revelados”.

Como tenho insistido nesse Carnet, e em meus últimos textos, o lugar ganha força. Podemos assim pensar que o Wii é um “locative-based game”, embora não tenha essa denominação e não seja “móvel”. Estamos vendo, com as tecnologias móveis e digitais, a evidência do que estou chamando (e vou desenvolver no próximo livro) de “the place turning point” dos estudos sobre comunicação e as novas mídias digitais. Essa inflexão aponta para uma tendência muito diferente daquela que previa o surgimento de um espaço eletrônico desconectado do espaço físico, que o transformaria para sempre em um “não-lugar” ou em uma “lugar sem sentido”.