G1 Google Latitude
Entrevista com vários “especialistas” em tecnologia da informação sobre o Google Latitude no portal G1. A matéria Localizador de pessoas do Google põe privacidade em xeque; saiba usar apresenta os prós e contras do sistema.
Sempre que sou convidado para dar um depoimento para jornalistas, eles estão com pressa, é sempre para ontem e, em regra geral, cortam quase 80% do que respondemos (mas o online não possibilitaria mais espaço e aprofundamento?). Bom, entendemos os motivos, mas as vezes é frustrante ver nosso trabalho jogado no lixo. Respondi às perguntas e apenas 10% do que escrevi aparecem na matéria. O mesmo deve ter acontecido com os outros entrevistados.
Bom, já que gastei tempo, já que esse instrumento (o meu blog) não se preocupa com espaço, objetividade ou mesmo o “leitor médio”, já que gastei as pontas dos dedos nesse teclado, vou colocar aqui a minha entrevista na íntegra (com correções no texto enviado “correndo”).
As perguntas são da jornalista Juliana Carpanez.
1 – Com a ferramenta do Google, o usuário tem controle sobre sua privacidade (ele pode optar por não mostrar a determinadas pessoas onde está). Ainda assim, você considera o serviço invasivo? Por quê?
Considero que o serviço pode ser usado por empresas para vigiar empregados. Amigos curiosos e parceiros ciumentos também, mas é bom deixar claro que usa quem quer e que vc diz quem pode saber onde você está e o nível de detalhe da sua localização (nível cidade, posição exata). Mas trata-se de uma sistema em expansão (sistemas locativos, redes sociais móveis). O maior perigo não está tanto em ver onde está o outro mas na geração de perfis de usuários que podem ser usados por empresas de marketing, publicidade, seguradores, governos, etc. A maior vigilância não vem do que é visível, mas do que está escondido nos bancos de dados.
2 – Com esse serviço, o usuário só será localizado por pessoas conhecidas (que, teoricamente, não representam uma ameaça à segurança). Dessa forma, acredita que só deve se preocupar com o uso do Google Latitude aquele que tem algo a esconder (por exemplo: mente para o chefe ou para a esposa sobre seu paradeiro)?
Nao acho que esse seja o ponto. Todos têm direito a privacidade e ao anonimato. O sistema foi criado para pessoas que queiram dizer onde estão e possam encontrar amigos em seus movimentos pelas cidades. Isso é muito bom e é esse o objetivo dos sistemas de redes sociais móveis. Quem tem algo a esconder vai esconder, já que já esconde, de uma forma ou de outra.
3 – Por enquanto, esse tipo de serviço ainda é uma novidade e muitos resistem a ele, principalmente por causa da privacidade. Mas você acredita que, com o tempo, as pessoas se acostumarão com essa forma de monitoramento e se preocuparão menos com a privacidade (assim como aconteceu com as redes sociais, onde os usuários freqüentemente expõem muitas informações pessoais a seus conhecidos)?
Nao existe privacidade total ou nula (em regimes democráticos, claro). Existem graus de privacidade. Quando vou ao médico abro mão da minha privacidade para poder ter um bom diagnóstico, quando entro em redes sociais, abro mão de algum nivel de privacidade, mas não todos, para poder me relacionar com os outros. Nas redes sociais móveis, também, digo onde estou quando quero encontrar conhecidos que estejam por perto. As pessoas já estão acostumadas a isso. O celular já é usado assim. A primeira pergunta é: “onde voce está”. Em geral, as pessoas estão se mostrando mais e vendo mais do outro também. Essa transparência social está criando uma voyeirismo, vigilância, mas também criando uma memória social pessoal e comunitária. Há problemas: vigilância e monitoramento de amigos e patrões. Mas, como disse acima, o pior é a criação de perfis que podem ser usados contra nos mesmo. Temos que defender nosso território informacional: garantir que saibamos o que foi feito dos dados que geramos e que tenhamos controle sobre os dados que são gerados de nossas ações. Por exemplo, uma seguradora de saúde pode traçar meu perfil e ver que gosto de feijoada, que compro muitos alimentos gordurosos, que visito sempre churrascarias e, assim, colocar um valor maior na apólice no meu contrato…e tudo isso sem que eu saiba de onde vieram os dados. Esse é o problema hoje dessa “vigilância locativa”.
4 – Que tipo de utilização esse serviço terá, se ele for além do monitoramento gratuito de amigos? Acha que ele pode ser realmente útil para seus usuários?
Como disse, o objetivo é encontrar pessoas conhecidas, aumentar os vínculos sociais em mobilidade. Isso é novo: só podemos fazer isso depois dos telefones celulares e aliar mobilidade fisica e informacional: estar em movimento e poder enviar e receber informações, podendo, no caso do Latitude, dizer onde estou e ver quem está por perto. Os problemas apontei acima.
5 – Assim como os usuários aprenderam (ou ainda estão aprendendo) boas práticas no uso de telefones celulares e internet, o mesmo deve acontecer com esse serviço de localização, se ele se popularizar. Por isso, propomos um exercício de futurologia de como será o uso adequado da ferramenta (naquela linha de > “> netiqueta> “> ). Abaixo, as situações e gostaria que você dissesse qual sua opinião sobre como proceder em cada caso.
– Em que situações o usuário deve deixar o localizador ativado?
quando quiser ser encontrado e encontrar pessoas. No nosso pais pode ser legal deixar o sistema ligado se estivermos nos dirigindo a lugares mais perigosos e assim ter alguem que possa, a distância, monitorar nosso movimento e nos ajudar em caso de algum problema mais grave.
– Em que situações ele precisa desativá-lo?
quando voce quiser ficar só, quando não quiser falar com ninguém, quando quiser exercitar seu direito inalienável: o da vida privada, do anonimato.
– Em que casos alguém (familiar, amigo, colega de trabalho) pode efetivamente cobrar que um usuário do Google Latitude deixe o serviço habilitado?
Acho que empresas podem exigir que empregados usem o sistema em horario de trabalho. Acho exagerado mas não ilegal ou imoral: Saber se um motorista está fazendo bem o seu percurso e o seu trabalho no horario do expediente, por exemplo. Isso já é feito em algumas empresas de transporte de mercadorias. No caso familiar, amoroso ou de amizade, não acho que alguém tenha o direito de cobrar esse uso.
– Se o usuário deixar o localizador desativado e for cobrado por isso (mulher, chefe…), o que deve dizer?
Risos: Ora, que ninguém é dono dele(a) e que ele(a) pode usar ou não o sistema quando bem quiser. Como disse, acho que essa pode ser uma exigência de algumas empresas e aí só o diálogo pode resolver essa questão.
– O localizador do Google permite que o usuário mostre estar em um lugar onde não está. Em que tipos de situação essa ferramenta deve ser usada?
Quando ele quiser mentir, ludibriar, despistar. Todas essas ações humanas conhecidas e bem comuns.
– Um amigo permite que você veja a localização dele, mas você não quer que ele saiba a sua (o equivalente a não aceitar um pedido de > “> amizade> “> no Orkut). O que fazer nessa situação? Se explica, aceita ou simplesmente deixa quieto?
Não uso Orkut e não aceitaria nada que não quisesse. Se alguem quer que eu veja a sua localização isso não pode me obrigar que ele tenha o direito de ver a minha. Provavelmente, se não quero ver a localizacão de uma pessoa, não deixaria que ela visse a minha e vice-versa.
– Se o usuário mente sobre sua localização, deve desativar o serviço ou fazer com que o localizador mostre o lugar onde ele disse que estaria (ou seja: o localizador deve > “> compactuar com a mentira)?
Acho que se o dispositivo é seu, voce deve fazer com ele o que quiser. Se quer mentir, use o aparelho para mentir. Se não quer que saibam onde você está, simplesmente desligue. No fundo, devemos nos conectar, trocar informações com outros, mas deve sempre haver um limite. Devemos pensar também em uma ética da desconexão. No caso da “mídias locativas”, o desespero em tudo localizar, mostrar, conhecer, de antemão e em tempo real, é no fundo, uma morte simbólica, um medo, uma maneira de evitar o inusitado, a surpresa, o imponderável. Talvez seja mais interessante encontrar aquela pessoa por acaso do que ver que ela está em um raio de 2 km. Devemos apostar não só na localização, mas na perdição, na deriva e no acaso.