Espace Mobile
A segunda mesa redonda foi realizada no espaço VOX, no “red light district” ao lado da SAT, para um discussão chamada “espace mobile“. O objetivo era discutir as mudanças desse bairro que será transformado em um “quartier du spéctacle”.
A abertura do evento foi coordenada por Marie-Josée Jean et Patrice Loubier que apresentaram os desafios que se colocam na modificação do bairro. Depois vieram as falas de Anouk Belanger, professora de sociologia da Université du Québec à Montréal, sobre a “culture populaire urbaine à Montreal” e as questões sobre a revitalização do bairro. Depois, Annie Roy, da “Action terroriste socialement acceptable – ATSA”, mostrou ações concretas e a necessidade de uma realização efetiva no local…Vários artistas estão realizando obras durante o evento.
Para o que me interessa, o mais interessante ontem foi conhecer os trabalhos do artista Renaud Auguste-Dormeuil (FR), interessado nos processos de vigilância e de militarização. Vou tentar aqui, rapidamente, descrever alguns projetos e fazer uma ponte com o problema das midias locativas.
Renaud Auguste-Dormeuil
Ao chegar em Montreal, no aeroporto, Renaud recebeu um guia da cidade no onde são propostos 5 percursos turísticos. Esses percursos visam mostrar uma Montreal bela, dinâmica, multicultural, segura. O lugar é assim investido dos “mitos e sonhos” das instituições; um lugar idealizado. Para Renaud, o papel do artista é “injetar realidade” nos sonhos produzidos por aqueles que controlam o espaço urbano. Assim, ao receber o guia, Renaud fez os mesmo percursos a pé, mas agora anotando todas as câmeras de vigilância visíveis (com endereços precisos e nome dos proprietários). Depois ele produziu um mapeamento das câmeras e colocou uma “errata” no guia gratuitamente distribuído. Fotos abaixo
Mapa, errata e guias com erratas das CCTV
Detalhe da chamada principal da errata
Ele fez o mesmo em Paris (e ele exlica que as autoridades mudaram o nome de câmeras de “tele- vigilância” para câmeras de “tele-segurança”) em alguns outros projetos (visita audio em museu para as obras vigiadas – vinculada diretamente ao seu valor; desenhos da Disney onde aparecem câmeras de vigilância; espelhos que desviam o “olhar dos satélites” (foto abaixo), visualização da forma como os GPS monitoram as pessoas (foto abaixo), entre outros. Um dos mais interessantes é o projeto MABUSE onde o artista criou um percurso turístico em micro-ônibus para que “turistas” pudessem ver as câmeras de vigilância da cidade (as mais importantes vistas e filmadas no mundo, como a do obelisco da Place de la Concorde ou as do Hotel Ritz que pegaram as últimas imagens de Dodi e Diana…), mostrando sua história.
Bloqueador da visão dos satélites, por espelhos
Esquema visualizando a forma de vigilância por GPS
Para o que me interessa aqui, gostaria de destacar que esses projetos artísticos (e outros que tenho apontado aqui nesse Carnet) visam tornar visível o que passa despercebido na prática do uso do espaço urbano: as câmeras de vigilância (mesmo visíveis em alguns casos) e as mídias locativas de monitoramento de movimento (celular, interent wi-fi, GPS…). Citamos outros projetos que vão nesse sentido como o iSee, os trabalhos de Elahi ou Teran.
O lugar não é uma propriedade das coisas que ele contém, mas um conjunto de “containers” criado também pela própria coisa. O lugar é real mas não material. Para aristóteles. Para Aristóteles o lugar de uma coisa “x” é a fronteira imóvel que a contem. O lugar é o que faz sentido. Como afirma Mohan Matthen (sobre Benjamin Morison, On Location: Aristotle’s Concept of Place):
“I’m in Vancouver. Is Vancouver predicated of me in? Not at all. What is predicated of me above is being in Vancouver, or disregarding the copula as Aristotle customarily does when specifying predicables, in Vancouver. Vancouver is not the same as in Vancouver; the doctrine of the Categories shows only that the latter is (subordinately) real, not that Vancouver, or 49.5 degrees, is. Aristotle is perfectly well aware of this. In Categories 4, the relevant category is not place, but where. Where am I according to (4)? The proper non-elliptical answer is not “Vancouver” but “in Vancouver.”
Lugares são ontologicamente subordinados às coisas que contêm…
“and that places like the centre and the periphery play a role in this entity akin to that played by organs – functional parts – in an animal. My lungs have a certain potency that suffices to explain some of the things I do, and so they are real. However, because they are parts of me defined by their function in the whole, they are ontologically subordinate to me. The same can be said about the centre of the universe with respect to the universe. It too has a certain potency defined by its role in the whole. Note that this way of explaining how Aristotle attributes causal potency to place does not assume that every place has potency. There is no direct route from the truth of (3) to the causal potency of a location that is 49.5 degrees north.”
O lugar VOX
O que podemos dizer aqui é que essas obras com mídias locativas e tendo como fundo o spa?o urbano visam trazer a tona todas as dimensões materiais e não-materiais dos lugares, e não apenas aquelas produzidas pelos poderes constituídos, não apenas as dimensões dos sonho, da ideologia e do mito. Ela buscam, como mostram os trabalhos de Renaud e de Annie do ATSA, injetar realidade e fazer com que esse lugar assim produzido (como um não-lugar, asséptico, convivial, seguro) possa fazer sentido. Um percurso turístico proposto é o mesmo para todos. Um percurso turístico alertando para os lugares onde o turista será vigiado tem uma outra conotação. Se as câmeras produzem o sentimento (atual e futuro) de medo no “sujet insecur” (ver post sobre o assunto com a palestra de Rosello), pela sua prórpia materialidade, elas são também, pelo caráter normativo, produtoras de “não-lugares” (ver post sobre o assunto).
Talvez possamos dizer que essas práticas artísticas com as midias locativas, aí incluíndo as câmeras e demais dispositivos de vigilância, sejam tentatvas de resignificação dos lugares pela visualização de processos invisíveis, embora performativos no espaço urbano, revelando o que está oculto (na materialidade das câmeras, nos espectros de rádio de zonas wi-fi, celulares, RFID, GPS…). Essa revelação seria uma forma de “desterritorialização”, ou seja, de transformação desses “não-lugares” em um lugar social (zonas de envolvimento das coisas que fazem sentido socialmente). Aqui, mais uma vez, os projetos desses artistas “injetam” o real nos ideiais racionalizantes e asseptizantes do planejamento urbano, criando assim um espaço socialmente produzido (Lefebrve).