Duração
Esse post é ainda sobre a duração e o tempo, continuando um post anterior onde perguntava o que muda mesmo em 2009. Agora, terminando uma livro interminável (no bom sentido), “O Passado”, do excelente Alan Pauls (comecei em meados de 2007, parei e estou terminando agora), leio esse parágrafo que coloca a verdade do filósofo (Bergson, no outro post) em estreita relação com a “verdade” do escritor argentino. Sempre achei a literatura uma forma eficaz e importante de compreensão da realidade (da sociedade, da cultura), às vezes até mais do que as ciências sociais. Mas nem sempre. Vemos aqui como parece coincidir a argumentação filosófica de Bergson sobre a duração (como tentei mostrar no longo post anterior) e a narrativa ficcional de Pauls. Por um lado ou pelo outro, essas letras podem nos ajudar a comprender melhor o tempo e os mecanismos bastante complexos das mudanças, das durações, das degradações, das inércias, das entropias…
(parêntese – gosto de reescrever trechos de livros, principalmente ficção, sentir essa sensação mediúnica de fazer do meu corpo um instrumento de uma outra voz, que poderia aqui ser a minha…).
Tarde de inércia bastante transformadora no Parc La Fontaine em Montreal, 2008
Vejam o que escreve Pauls:
“A inércia não produz mudanças. Não produz nada na verdade. No máximo, dá lugar à degradação, por exemplo, ou à entropia. A mudança sim: a mudança produz coisas – inércia, para dar um exemplo. E então, quem se animaria a afirmar que a diferença entre o que muda e o que degrada, entre um sinal de alteração e outro de deterioração, é uma diferença real? (…) No entanto, como toda força sem motor, a inércia dá lugar a movimentos sub-reptícios, tremores que surgem, fazem-se sentir por um momento e recolhem-se ao silêncio, até que o estímulo casual que os convocou se repete e eles reaparecem, num ciclo cujas sequências, tomadas cada uma em si mesma, individualmente, nunca chegam a mudar o mundo que afetam, mas deixam nele, ressoando, os ecos de um murmúrio em que, com bons ouvidos, se lê a lembrança ou a profecia de uma mudança. Assim, como o viajante indolente que dorme no convés de um barco e de repente acorda, golpeado por uma luz ou pelo grito de um pássaro, e olha ao redor e, no desconcerto do despertar, ao mesmo tempo que reconhece o que vê, o mar, o horizonte infinito, o céu, pensa ver algo que mudou, algo sutil, mas indescritível, e só depois, ao pôr-se de pé e vacilar, descobre a inclinação do piso do convés, e compreende que o que mudara na paisagem não estava na paisagem, mas nesse ‘antes’ do qual contemplava, agora afetado por uma nova instabilidade, induzida pelas ondas, que não se lembrava de ter sentido ao adormecer, assim Rímini teve a impressão, em algum momento, de que esse ‘estar ali’ para Nancy, por sua mera obstinação, dava lugar a uma certa inclinação, um deslizamento que ameaçava comunicá-lo com outra coisa.” (SP, Cosac Naify, 2007, p. 376)
Oi, André! Comprei esse livro em 2007 aqui em POA. Apesar de o texto de Alan Pauls (e até a própria edição da Cossac Naif) serem belíssimos, eu não consigo finalizá-lo. A inércia de Rímini irrita profundamente. Mas eu ainda não desisti. Sei que vai valer a pena pelos menos pelas metáforas riquíssimas de Pauls. Como essa da inércia. Abraço,