Poemas em Tempo de Pandemia
André Lemos
Pandemia
Dia a dia,
Em tempo de pandemia,
Buscar no tédio e apatia
Momentos de alegria.
Sem saída,
Com vida rígida
Na imobilidade, profilaxia,
O que somos asfixia.
Confinamento distendia,
Sem subterfÚgios ou covardia,
A rotina impositiva
Para sobreviver na ataraxia
Mesa
Estou à mesa
Nesse banquete de tolos
Tudo foi retirado
Ideias, vontade, ídolos
Pratos, talheres e copos
Só ficou o meu corpo.
Bernardo
Ei menino,
Deixa eu brincar com você
No seu jogo eletrônico,
Sem entender direito
O tamanho desse desafio agônico.
Ficar junto no seu mundo,
De inocência e alegria,
Para poder suportar
Toda essa sangria.
Melhor assim,
Sem ver o fim.
Curiosos, com medo,
Procuram tudo saber,
Para revelar o segredo
Achar o remedo
E o fio do enredo.
Mas nesse covil,
De news e
Fake news,
Só falsas esperanças e
Desconfianças.
Oh, desespero febril.
Se viram com o vírus,
com eles mesmos e sem deus.
Desesperados, sem ciência,
Da razão, ateus!
Só querem que tudo volte, messiânicos,
Em pânico, sem consciência,
Ao que era antes, sem paciência.
Não fala com o feirante,
Que traz as frutas.
Nem com o porteiro,
Herói das correspondências.
Medo do elevador, do interfone,
Medo da presidência.
Medo da verdura, da fruta,
Medo de não ter mais luta.
O avião raro passa no céu,
Sem ter para onde levar
Quem lá dentro está
A duas poltronas de distância
Para não infectar,
Querendo pousar
Por não saberem ficar
Para sempre no ar.
Melhor assim,
Sem ver o fim.
Alguns acreditam
Na finalidade da desgraça,
Como virada para o bem
Da humanidade que fracassa.
Mas o bem,
Nesse mundo,
Nesse país,
É só uma grande farsa.
Bob Dylan, meio século abissal
Para exorcizar em poema
The murder most foul.
E quanto tempo vamos viver,
Nesse vendaval tropical,
Para entender o dilema
Do nosso maior mal?
Toca Chico, toca Gil, toca Caetano,
Ninguém mais pode sair andando.
Só da janela gritar faraó ó ó…
Sociabilidade patética, rococó,
Para ver se o vizinho responde,
Se tá vivo, se tá alegre, se tá esperançoso,
Se tudo ainda, ao ontem, corresponde.
Ninguém entende nada,
Ninguém sabe de nada,
Ninguém vê o fim,
Ninguém vai mais ao Bonfim!
Melhor assim,
Sem ver o fim.
E testemunhamos mortes imundas,
Que há muito tempo nos circundam,
Sem que se confundam
Com nossa vida nauseabunda.
Agora acreditamos
Que tudo se limpa
Com álcool em gel,
Com vacina que não chega,
Com remédio, coquetel.
Ou mesmo com água e sabão
Para ficar tudo igualzinho
Como estava até então.
Limpam o corpo o tempo todo
Corpo frágil, raquítico
Produzindo um anticorpo, político.
Nessa profilaxia doentia,
Pensamento monolítico,
Até parece bruxaria.
Culpa do outro infecto, invisível,
Que a morte irradia.
Sujeira da vida não se remove!
Nada seguro pro futuro,
Nada eficaz que se comprove,
Nem esfrega, nem distância,
Nem que escove ou desove,
Nem máscara, nem petulância.
E o céu lá em cima,
poderoso Olimpo
Sem álcool em gel,
Não vêm ajudar a amenizar
Indiferente e limpo,
Esse gosto de fel.
Ei menino,
Deixa eu brincar com você
No seu jogo eletrônico,
Sem entender direito
O tamanho desse desafio agônico.
Ficar junto no seu mundo,
De inocência e alegria,
Para poder suportar
Toda essa sangria.
Melhor assim,
Sem ver o fim.