Centro de Operações Rio (COR). Foto tirada por mim em visita.
Abaixo, link da matéria de Marcelo Medeiros do Guia das Cidades Digitais na qual fui fonte. Como foi aproveitada apenas uma frase das minhas respostas, compartilho a entrevista na íntegra.
Internet das Coisas começa a se disseminar no âmbito governamental, no Guia das Cidades Digitais.
Entrevista concedida por mim ao jornalista, por email, na íntegra:
– Há alguma iniciativa governamental brasileira que se encaixe e se destaque no conceito de “internet das coisas”? Como vê a adoção desse tipo de tecnologia no país?
Os projetos de “smart cities” em algumas cidades brasileiras são incitavas que se aproximam, ao integrarem Big Data, Internet das Coisas (IOT) e Cidades Digitais. Mas não há uma coalizão para pensar a questão, nem propor ações. A adoção, no entanto, vai se dar mais fortemente no mercado de bens eletrônicos como a domótica, a performance pessoal (monitoramento físico), o setor automobilístico e a logística industrial e no comércio. No entanto, o setor público pode ganhar muito com a IOT, principalmente na gestão mais eficiente da infra-estrutura (smart grids para energia elétrica, monitoramento de redes de gás, água, utilização de sensores em pontes e estradas, estacionamento inteligente…). Alguns estudos apontam que o Brasil está entre os países com maior potencial para aproveitar esta tecnologia. Existe um Fórum de Competitividade em IoT (http://www.iotbrasil.com.br) que reúne empresas e acadêmicos, mas não podemos dizer que haja iniciativas governamentais consistentes. Na União Européia, Japão, China, Coreia do Sul e EUA o tema é encarado com seriedade e prioridade. O Brasil não possui nenhuma política articulada para se tornar protagonista nesta nova fase da internet. Deveria.
– Um dos questionamentos feitos à “Internet das Coisas” é a possibilidade de perda de privacidade dos cidadãos, dada a presença de mecanismos de vigilância e controle. Em um país democrático, este risco é real?
A questão não é opor vigilância, controle e perda de privacidade à democracia. A democracia convive bem com essa ações e deve mesmo ter mecanismos de controle para poder se manter e desenvolver. Governos precisam saber dos nossos ganhos e gastos, da nossa saúde, das nossas práticas quotidianas para propor políticas públicas. Há limites obviamente, mas o problema não é opor, como se ou há privacidade total ou não há democracia. Isto dito, há riscos de invasão de privacidade não apenas pelos governos (veja o caso Snowden), mas por empresas que vão ter dados sobre nossas mais banais ações do dia a dia e vão, com Big Data, fazer previsões sobre os nossos comportamentos. A escova de dentes vai dizer ao meu dentista como eu a uso, a minha cadeira vai informar ao meu personal trainer quanto tempo eu vivo nela, o meu colchão vai dizer ao médico sobre meu sono, o meu carro vai dizer ao mecânico sobre o meu padrão de condução, a minha geladeira vai informar sobre o meu consumo de colesterol…E tudo isso pode parar nas mãos de seguradoras e empresas de marketing que vão criar perfis e me cobrar mais adiante sobre esses meus atos, sem que eu mesmo saiba por quê. Sim, o risco não só é real, como já é uma realidade. Veja que a Google acaba de comprar a NEST por mais de 3 bilhões de dólares. A NEST é uma empresa de demótica e IOT. E veja que tudo isso é para “o nosso bem”. Dizem que as cidades vão ficar mais inteligentes, que as casas vão ficar mais eficientes, que minha saúde vai ser monitorada em tempo real podendo evitar problemas mais graves a curto e médio prazos… A questão me parece ser a de impossibilidade de ocultamento, de esquecimento, e a fé na transparência e na gestão automatizada da vida. Este sonho não é novo e sabemos que ele não será concretizado. Ocultamento e esquecimento são condições necessárias a existência e a confiança entre pessoas.
– Em caso positivo à pergunta acima, como evitar que a tecnologia se torne uma ferramenta que prejudique o cidadão, em vez de ajudá-lo em sua relação com os governos?
Primeiro tendo conhecimento de que está é uma condição atual da cultura digital: usar celular, Facebook, Twitter, Google, Waze…é fazer parte deste mundo. Ou seja todos (os que já estão incluídos, e todos os outros que não fazem ainda parte, mas são alvos de políticas e desejos que os impulsionam a fazerem parte também). É importante que tenhamos consciência e que possamos controlar o que é feito com os dados que geramos o tempo todo. Políticas devem garantir a posse e a possibilidade de apagamento dos dados pessoais gerados. Por último, atitudes de negação e de afastamento devem ser exercitadas sempre que possível : não fornecer dados, não fazer cadastros, não dar números de CPF, de telefones… Isso está se tornando mais difícil a cada dia, mas é uma ação que pode minimizar o uso dos nossos dados.
– Complementando a questão acima: a maioria dos equipamentos e softwares utilizados em iniciativas de destaque, como o centro de operações do Rio, são feitos por grandes empresas internacionais, como IBM. Há riscos para a segurança das próprias cidades, dada a possibilidade de ‘vazamento’ de dados dessas empresas para outros governos ou mesmo empresas? O mesmo em relação aos cidadãos? É possível controlar esse fluxo de informações?
Sim, claro. As discussões atuais em relação a IOT são sobre os protocolos de conexão, os sistemas de criptografia, a segurança nas bases de dados. Vejam que houve suspeita de hacking ao sistema de armazenamento nas nuvens, Dropbox. Todos os meus arquivos estão lá! Com a IoT, quem me garante que a troca de informações entre minha geladeira e o supermercado é segura. E se um hacker invadir a minha escova de dente ou o meu colchão, o que ele poderá fazer com o meu prontuário no consultório (virtual) do meu dentista ou do meu médico? E se desligarem ou alterarem o funcionamento inteligente dos estacionamentos nas cidades, ou dos semáforos, ou hackearem a smart grid?…A literatura da área aponta para discussões sobre estas questões que ainda não estão resolvidas (padrões, segurança, criptografia). Nos próximos anos vamos ver não apenas hacking a sites, mas hacking a coisas. E como as coisas estão mais próximas de nós, o perigo é iminente. A única forma de “controle” do fluxo de informações é com transparência política, eficientes protocolos de comunicação e bons sistemas de criptografia.
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