Minha fala de 15 minutos na mesa redonda “Conectando Gerações e Descobrindo o Mundo Digital Juntos… com Segurança”, na Campus Party, terça, dia 7 de fevereiro. Agradeço à Safernet e especialmente ao Rodrigo Nejm pela oportunidade.
“Le besoin de sécurité asphyxie l’âme” – Alexandre Jardin
No hotel onde estou hospedado o elevador exige o uso da chave do quarto para se locomover. Dentro do elevador, um monitor com news me faz olhar exatamente para onde está a câmera de vigilância. Essa hiper segurança me diz que estou em um lugar muito perigoso que justifique essas medidas? Ou tornou-se um comportamento padrão, exigido por seguradoras? De uma forma ou de outra, mais instrumentos de segurança aumentam a minha sensação de insegurança, seja pelos dados e imagens que são retirados de mim, seja pelo perigo real de atentado à minha integridade física.
E no monitor dentro do elevador leio a notícia: “Redes sociais são mais tentadoras do que álcool e cigarro”. Pesquisa da Universidade de Chicago, se não me engano. Ora, algo que é mais tentador do que duas das drogas que mais matam, incluindo as drogas ilícitas, só pode ser ruim e ser controlado.
Estou vindo de Salvador onde uma greve da polícia militar faz imperar o terror. Salvador é insegura, mesmo com todo o aparato policial. Mas agora as pessoas estão ainda mais assustadas. Blindados e homens armados trazendo mais segurança e sensação de mais insegurança. A segurança em Salvador, comparado com países europeus, Canadá, EUA, é inexistente. Mas vivemos nessa insegurança e nos acostumamos à ela. Vivi na Europa e no Canadá e os europeus e canadenses sentem também insegurança.
A noção de segurança é cultural e está diretamente vinculada à sensação de medo e insegurança. Mas ela é também temporal. O que é seguro hoje, pode não ser amanhã. Por exemplo, nunca usei protetor solar. Essa segurança não se colocava. Hoje é obrigatório. Não usava cinto de segurança no carro! Hoje é lei. Devemos assim pensar sempre em níveis de segurança. A segurança é sempre relativa e deve ser vista dentro de contextos culturais, sociais e temporais. Dispositivos de segurança devem ser vistos como phármacos, ao mesmo tempo veneno e remédio.
Vejamos a Internet. Se formos pensar em uma internet segura, ela seria também totalitária, controlada, sem liberdades individuais e de informação. Nesse sentido a internet chinesa deve ser super segura, mas não é um modelo a ser copiado por países livres e democráticos.
Podemos dizer que as formas de sociabilidade em rede, ou as redes sociais são: Formas de sociabilidade onde há sempre exposição de si, confiança, imitação, construção identitária, gerenciamento de impressões, negociação de níveis de privacidade e de anonimato. No tempo podemos usar três ideais-tipo dessas “redes sociais” que não são necessariamente excludentes.
Século XVIII/XIX – bares, cafés, praças. Espaços público e semi-público, exposição de si no corpo a corpo, gerenciamento de impressões em classes bem demarcadas; onde o que se faz não é armazenado como dados ou perfis. Começa uma biopolítica que passa a recrutar dados pessoais para controle, monitoramento e vigilância.
Século XX – shows, shoppings, praças, praias. Exposição de si no corpo a corpo, gerenciamento de impressão multicultural, fluida e pret-à-porter; onde o que se faz começa a ser armazenado como dados ou perfis. Expansão de registros imagéticos, sonoros, e de dados pessoais para controle, monitoramento e vigilância.
Século XXI – Internet. Exposição de si na construção de perfis em comunidades de interesse e de amigos. Fim do século XX as comunidades virtuais temáticas, anônimas e despersonalizadas. Hoje, início do século XXI, sites de redes sociais, em serviços como Google, Orkut, Facebook, Twitter. O que se faz é armazenado como dados gerando perfis como fonte de riqueza para controle, monitoramento e vigilância de empresas, governos, polícias, marketing e publicidade.
Mineração de dados é atentado à privacidade e ao anonimato. Sujeito gerador de perfis pró-ativos. Segurança é controle, monitoramento e vigilância. Insegurança é controle, monitoramento e vigilância. Muita segurança é um veneno que aniquila a vida, inibe relações, gera desconfiança, criando pânico e mais insegurança. Sempre que falamos de segurança pressupomos um sujeito inseguro, no passado, no presente e no futuro (exemplos: câmeras de vigilância, protetor solar, cinto de segurança ou proibição do acesso de jovens à internet). Por outro lado, a não existência de dispositivos de segurança pode gerar barbárie, vandalismo, criminalidade, desrespeito aos direitos humanos e a dignidade da pessoa.
A internet é uma rede de controle de protocolos e de vitalismo social. A segurança dos protocolos é o que garante o funcionamento da rede. A vitalidade social é o que dá sentido a esses protocolos e a expansão da rede.
Conectar gerações e descobrir o mundo juntos não pode ser apenas uma expressão que sirva para que as gerações que detém o controle e os protocolos exerçam um poder totalitário sobre as gerações mais jovens, impondo visões de mundo e formas comportamentais. Esses últimos criaram a rede e a mantêm como associação, ou seja, como o que podemos chamar de “rede social”.
Forma de contestar segurança são formas de impulsionar inovações, garantir liberdades, reforçar laços de colaboração e participação. Exemplos:
Hacking (Anonymous e Megaupload),
Redes P2P,
Discussão sobre copyright,
Ciberativismo por redes sociais contra regimes políticos (exemplos: primavera árabe, porta do sol na Espanha, movimento occupy),
Movimento contra acordos como o SOPA, PIPA, ACTA ou lei Azeredo.
Nesses casos, empresas e governos falam em nome da segurança. Mas de que segurança estamos falando? Essa relação não é a de conectar gerações e descobrir um mundo juntos, mas de imposição de uma estrutura que freia a inovação, as redes de sociabilidade, a liberdade e a cooperação em nome da “segurança” de um modelo em vias de transformação e falido.
O mesmo podemos dizer da relação dos pais (felizmente, alguns deles) com seus filhos onde os primeiros, em nome da segurança dos últimos, impõem visões de mundo, desconhecem a revolução digital e inibem a expansão da “inteligência” compartilhada e colaborativa, produtora de conteúdo que está em marcha (escrever, ler, fotos, vídeos, músicas), instituindo a repressão pelo controle e vigilância do suposto sujeito inseguro que não merece confiança. Deve-se estabelecer uma relação de confiança, de diálogo e de abertura e pensar numa educação para os meios e não apenas para a internet.
Deve-se reconhecer a questão da internet segura como um phármaco. A dose é a chave para, por um lado, garantir a criatividade, a colaboração, sociabilidade, a inovação e, por outro, inibir a violação do direito das minorias ou dos mais vulneráveis. Conectar gerações e construir juntos pode ser interessante se não for apenas uma frase de efeito, ideológica, totalitária que obrigue os mais jovens a obedecer a força dos mais velhos (geração, indústria, governos) que estão no comando.