McLuhan’s Wake
“you don’t have to be everywhere to do everything”
McLuhan
Estou agora assistindo na TV o documentário de 2002, McLuhan’s Wake, de Kevin McMahon. O título faz uma referência direta ao ilegível “Finnegan’s Wake” (1939) de Joyce (a obra – intraduzível – tem uma excelente tradução no Brasil pelo corajoso Donaldo Schüler). Li os dois primeiros volumes e meu prazer estava na forma, nos sons, nas descobertas das palavras escritas em várias línguas e cujos sons davam um sentido coerente em todas elas. A obra de Joyce é citada no documentário pelo próprio McLuhan. No entanto, o filme não explora a relação óbvia do título.
Finnegan’s Wake é uma sinfonia literária, uma obra multimídia “avant la lettre”, uma orgia de símbolos e de línguas, representando a cultura moderna e a emergente cultura midiática. A relação é interessante, como se a difícil leitura do texto de Joyce fosse um espelho da própria dificuldade que temos hoje de “ler” a nossa cultura eletrônica, cultura essa, como o texto de Joyce, marcada pelo excesso de símbolos e de linguagens. O choque entre oralidade, escrita, mídias de massa (impresso, TV, rádio), Web e telefonia, que estamos vivendo hoje, seria uma materialização do Finnegan’s Wake. A dificuldade em ler o livro é a mesma que temos hoje para achar uma luz na confusão em que nos encontramos: convergência das mídias, reconfigurações da indústria cultural, colapsos identitários, subjetivos, políticos, culturais da/pela globalização, excesso de imagens, hiperrealidade…Como afirma McLuhan, só conseguimos enxergar o presente e o futuro do nosso ambiente midiático, olhando para as formas comunicacionais do passado, ou seja, se prestarmos atenção a toda essa confusão. A cibercultura seria assim o Finnegan’s Wake em realização, ao mesmo tempo oral, literário, audiovisual, multimídiático, telemático…mítico. Ler Finnegan’s Wake não é uma experiência apenas visual, mas total, “retribalizando o mundo” (McLuhan). Joyce convoca o leitor a entrar em um ambiente (genialmente construído) de sons, imagens, línguas, mitos…
O documentário mostra a emergência e a aceleração dessa nova cultura “neo-tribal” onde o presente e o futuro só se compreendem com os olhos no passado. É preciso um certo desprendimento já que por estarmos tão imersos nesse ambiente não conseguimos mais ver o que está lá fora. Só podemos ler Finnegan’s Wake se mergulharmos na estrutura mítica, se nos privarmos de algumas certezas e busca por soluções lineares, se nos deixarmos levar pela torrente de palavras e letras complicadamente arranjadas. Talvez o mesmo seja exigido para compreendermos a cultura midiática contemporânea: ver o presente sem deixar de sentir o passado, olhar o futuro sem prescrições, ver os índices da cibercultura como uma língua construída de forma complexa. McLuhan foi um dos primeiros a ver o nosso Finnegan’s Wake global.