De Volta para o Futuro – Novos Dispositivos, Velhas Práticas.

O segundo artigo vai investigar as novas mídias a partir das teorias das materialidades da comunicação e ator-rede. Farei isso no artigo mas não aqui (apenas um work in progress). Aqui aponto apenas a tese de que a evolução das mídias tem levado a um desenvolvimento de relações sociais e com os dispositivos em uma espiral de retorno a experiências anteriores às mídias digitais. Falo em espirais pois o retorno não é ao mesmo ponto, já que as mídias digitais aportam novidades consideráveis, mas estão buscando, de certa maneira, um retorno a experiências passadas. Vou citar rapidamente três exemplos: a Internet TV, os e-readers e os tablets. Quanto a esses dois últimos, desenvolvi um pouco em um dos últimos posts. No final aponto para a reterritorialização espacial com as mídias locativas.


Credit: H. Armstrong Roberts/Corbis

A tese é que os novos dispositivos em alta atualmente (readers, tablets e preparem-se para a Web-TV, com a iminente popularização da Google TV) estão buscando um retorno a experiências consolidadas nas leituras de livros, de revistas, de jornais, da TV e da localização.

As análises sobre as novas mídias nos anos 1970-90, centraram-se nas diferenças, na morte dos antigos formatos e na superação da experiência analógica com o surgimento do digital e das redes telemáticas. O que estamos vendo é um retorno a experiências anteriores, com o aproveitamento das inovações sociais e tecnológicas do digital, principalmente no que se refere às possibilidades de produção de conteúdo, de compartilhamento de informação e de criação de redes sociais.

Os e-readers emulam, com a e-ink, muito bem o papel e a tinta. Alguns não tem iluminação interna e tornam-se muito confortáveis para a leitura. O que está em jogo aqui é usar a tecnologia digital e as redes sem fio para proporcionar portabilidade da sua biblioteca e uma leitura onde a materialidade é muito próxima da do livro impresso (e isso sem simulações de flip page, links desnecessários, ou interatividade exagerada na fruição: ou seja, o leitor – não é interator – ler como se lê um bom livro em papel). O mesmo acontece, guardadas as proporções, com os jornais e as revistas, seja nos readers ou nos tablets. De novo, uma muito próxima relação material é convocada: ler um produto acabado (aliás, uma ótima solução como um modelo de negócios da industria do impresso, que passa a vender um aplicativo), em uma postura similar a leitura dos jornais e revistas no antigo formato. Não estou dizendo que os antigos formatos desaparecerão (isso pode até acontecer), nem que seja a mesma coisa (não é, já que posso criar redes sociais, compartilhar informações de leitura – nos ereaders e tablets pode-se twitar trechos do que se lê, algo impossível com a leitura do impresso -, etc.).

Sustento que os novos dispositivos estão tendo um grande sucesso (principalmente os tablets) por emularem as materialidades das mídias analógicas. Afinal, não é por acaso séculos de sucesso desses formatos midiáticos. Há obviamente o peso da indústria cultural na formatação desse sucesso (a estrutura e a agência), mas há, efetivamente, algo de confortável, de culturalmente arraigado que parece estar exercendo de novo grande impacto no desenvolvimento dos novos dispositivos.

O mesmo podemos dizer do futuro da TV. Interessante artigo publicado na “Technology Review”, “Searching for the Future of Television”, mostra bem as negociações e sustenta a minha hipótese de se buscar, com as delícias do digital, a experiência da TV analógica.

As primeiras experiências falharam por problemas de banda, de interatividade e por querer subsitituir a consolidada relação com a TV (sofá, distanciamento, fruição sem interação) pela rede, ou melhor pela Web na telinha. Não funcionou e não funcionará pela simples razão que para isso temos os computadores. As experiências da Apple TV também não se popularizou por ser uma forma de consumir apenas o iTunes. Mas a Google TV quer ser mais, quer ser a WeBTV na TV como TV, na qual o “coach potato” pode surfar, simplesmente com um controle remoto, conteúdos da rede, da TV fechada e aberta.

“By contrast, Google TV runs right on the television, if you have the Sony model; otherwise, it runs on devices that plug into both a cable or satellite feed and the TV. That allows viewers to search for and access TV and Web content at once. “We didn’t want users to have to choose between the Web and TV content,” says Dureau. Google touts this design as an example of its effort to place the Web within the TV experience.”

A questão está em discussão já que afeta o modelo de negócios da TV aberta e fechada. No entanto há negociações. A Google TV não quer competir com a TV, mas amplia-la:

“Google TV respects TV’s established business dynamic, he insisted. It was a statement he had clearly recited many times—and one that might sound familiar to publishers struggling to contend with Google’s impact on print media. “Our product is designed assuming you have cable,” he said. “The best content is on cable. People are relatively satisfied. What we’re trying to do is take that experience today and enhance it with a whole lot of other content you just can’t deliver through cable technology.”

E o que quer mesmo é proporcionar a experiência da TV que conhecemos, amplianda com as possibilidades digitais, com a participação, colaboração e formação de redes sociais, sem ser o computador engolindo a TV:

“They also had to figure out how to anticipate the expectations of an everyday video viewer. Part of the dream for Google TV and similar services is that Internet-connected TVs could make television a social experience again, as it was when families gathered around their sets to watch programs together. The next-generation TV could eventually become a big-screen hub for the house; while you relax on the couch, you could video-call your mother during an ad or show full-screen high-definition videos of your children to your friends, whether they’re sitting next to you or on their own sofa in another country. One early tester used Google TV to shop for a car with his whole family—something that wouldn’t work well on a little laptop.”

A tese pode ser aplicada também ao desenvolvimento das mídias locativas, nas quais a dimensão local volta ao centro da cena. Não se trata, com as mídias de realidade aumentada (ver post anterior), as redes sociais móveis (Foursquare, Gowalla, Places, Twitter) ou com experiências de acesso a informação em redes wi-fi (hotspot – o termo é bem sintomático, “lugares quentes”) navegar em uma matrix fora do mundo real, em um “espaço” a parte do espaço físico, urbano, local. O que estamos assistindo é uma volta (se é que isso se perdeu algum dia) de territorializações. Isso não significa, insisto mais uma vez, na volta do mesmo, mas em espirais de retorno onde busca-se experiências locais, corporais e culturais habituais aliadas e aumentadas por novas potências digitais, principlamente a conexão generalizada, a participação, produção de conteúdo e formação de redes sociais.

Pensar em mídias de massa não explica esses fenômenos. Estamos em meio a novas funções pós-massivas, que emulam experiências materiais das mídias de função massiva.