Blog da Petrobrás – Funções Massivas x Pós-Massivas

Blog da Petrobrás – Funções Massivas x Pós-Massivas

Tenho insisitido na impossibilidade de compreendermos os novos isntrumentos de comunicação dentro da estrutura dos meios de massa: blogs, twitter, podcasting, listas, softwares sociais, redes P2P, chats, não podem ser entendidos se analisados apenas como mídias massivas. Tenho sugerido falarmos de duas funções (veja que falo de funções e não de dispositivos massivos ou pós-massivos): função de massa (típica das midias tradicionais – jornais, radios, tv) e função pós-massivas (outros chamam de interativas, micromídias, etc…). Estas se tornaram hegemônicas com as novas ferramentas eletrônicas e em rede. Em artigo (onde aprofundo esta discussão) escrevia :

“Por função massiva compreendemos um fluxo centralizado de informação, com o controle editorial do pólo da emissão, por grandes empresas em processo de competição entre si, já que são financiadas pela publicidade. Busca-se, para manter as verbas publicitárias, sempre o hit, o sucesso de «massa», que resultará em mais verbas publicitárias e maior lucro. As mídias de função massiva são centradas, na maioria dos casos, em um território geográfico nacional ou local. As mídias e as funções massivas têm o seu (importante) papel social e político na formação do público e da opinião pública na modernidade. As funções massivas são aquelas dirigidas para a massa, ou seja, para pessoas que não se conhecem, que não estão juntas espacialmente e que assim têm pouca possibilidade de interagir. Não há estrutura organizacional nas massas, tampouco tradição, regras. (…) As mídias de função pós-massiva, por sua vez, funcionam a partir de redes telemáticas em que qualquer um pode produzir informação, «liberando» o pólo da emissão (…). As funções pós-massivas não competem entre si por verbas publicitárias e não estão centradas sobre um território específico, mas virtualmente sobre o planeta. O produto é personalizável e, na maioria das vezes, insiste em fluxos comunicacionais bi-direcionais (todos-todos), diferente do fluxo unidirecional (um-todos) das mídias de função massiva. As mídias de função pós-massiva agem não por hits, mas por «nichos», criando o que Chris Anderson (2006) chamou de «longa cauda», ou seja, a possibilidade de oferta de inúmeros produtos que são para poucos, mas que pela estrutura mesma da rede, se mantêm disponíveis. (…) Experiências na internet com blogs, gravadoras e músicos, softwares livres, podcasting, wikis, entre outras, mostram o potencial das mídias de função pós-massivas. Essas vão insistir em três princípios fundamentais da cibercultura: a liberação da emissão, a conexão generalizada e a reconfiguração das instituições e da indústria cultural de massa (Lemos, 2004, 2005).”

Interessante “case” mostrando como se dá atualmente o embate entre as mídias de função massiva e as novas mídias digitais de função pós-massiva. A atual tensão entre as mídias massivas e o blog da Petrobrás é exemplar nesse sentido. O Blog da Petrobras – Fatos e Dados foi criado para responder, de forma direta, transparente e aberta, às perguntas, críticas e à CPI montada para investigar supostas irrgularidades da empresa e da ANP. O novo formato da informação (para uma empresa como a Petrobrás, expandido os antigos comunicados ou direitos de resposta) aponta para a reconfiguração do campo das mídias já que pegou de surpresa as mídias massvias e está efetivamente incomodando. O blog permite que a empresa divulgue as respostas e as perguntas a que tem sido submetida e, com agilidade, não só coloca a sua visão dos fatos como expõe os tradicionais instrumentos noticiosos já que, de antemão, coloca as perguntas e as respostas enviadas aos veículos, Assim, toda a edição pode ser checada e questionada por qualquer um. Tenho feito isso neste Carnet. Quando sou entrevistado, recebo inúmeras perguntas e respondo todas, mas os veículos publicam o que querem. Comecei então a colocar as perguntas e respostas na íntegra no meu blog. Vejam que é esse o ponto de destaque de carta enviada pela ABI:

“A ABI considera legítima a decisão da Petrobras de criar um blog para divulgação das informações que presta à imprensa e especialmente aos veículos impressos, uma vez que as questões relativas ao seu funcionamento e aos seus atos de gestão interessam ao conjunto da sociedade, que não pode ficar exposta ao risco de filtragem das informações típica e inseparável do processo de edição jornalística. A empresa tem o direito de se acautelar, através das informações que difunde no blog, contra as distorções em que os meios de comunicação têm incorrido, como a própria ABI registrou em matéria publicada da edição de 31 de maio de um dos jornais que agora se insurgem contra o blog da empresa.

A criação do blog constituiu-se em instrumento de autodefesa da empresa, que se encontra sob uma barragem de fogo crítico disparado por vários veículos impressos. Não se poderá alegar que é assegurado à empresa o direito de resposta, uma vez que quando este for exercido a informação nociva já terá produzido afeitos adversos. Ademais, é conhecido principalmente dos jornalistas o tratamento que a imprensa concede tradicionalmente ao direito de resposta, se e quando o reconhece e o acata: a informação imprecisa ou inidônea é divulgada com um destaque e uma dimensão que não se confere à resposta postulada e concedida. (…)”

A Petrobrás reconhece o impacto das redes sociais e critica a ação das mídias massivas. Ela já têm inclusive uma conta no Twitter. Como mostra o post sobre o tema, a empresa afirma que:

“Nosso blog completa uma semana, com 145 mil visitas, 31 posts e 1.700 comentários, e já conseguimos um espaço considerável de repercussão. Acreditamos nas mídias sociais como um importante canal de conversação direta entre a Petrobras e a sociedade. Infelizmente, continuamos a ver na imprensa comentários equivocados que desconhecem a própria lógica das mídias sociais.

Em apenas três dias após a criação do perfil ‘blogpetrobras’ no Twitter, já contamos com mais de 800 pessoas que espontaneamente optaram por nos seguir. Como boa prática de relacionamento, também estamos seguindo todas as pessoas que nos seguem na medida do possível, adicionando-as periodicamente. Nosso Twitter não é bloqueado, estamos abertos a toda e qualquer pessoa que queira nos seguir independentemente de ideologia. (…)”

O blog Fatos e Dados incomoda os veículos jornalísticos por divulgar perguntas e respostas fazendo com que os cortes e outras edições revelem as suas (nem sempre corretas, idôneas e/ou neutras) versões dos fatos. O ápice do incômodo se deu com o Jornal “O Globo” que alegou ter “direito” sobre as perguntas e que por isso a Petrobrás não poderia reproduzí-las no seu blog. Vejam que sempre que estão ameaçadas, as mídias de função massiva apelam para direito de autor, censura, leis draconianas, vigilância ou qualquer outra forma de cercerar a circulacao e a liberdade da informacao: é assim com a indústria cultural massiva (vejam os problemas com a indústria da música, do cinema, do software), desadaptada e com medo das funções pós-massivas. No blog do Tulio Vianna podemos ler sobre a queixa da Globo:

” (…) O caminho encontrado pela estatal foi publicar em um blog da empresa as perguntas encaminhadas por repórteres dos jornais e respectivas respostas. Com o detalhe, também grave, de que a empresa divulgou na sexta informações que prestara para uma reportagem que seria publicada no GLOBO de domingo, numa assombrosa quebra do sigilo que precisa existir no relacionamento entre imprensa e fonte prestadora de informações. Agira da mesma forma com os outros jornais. Mesmo as perguntas, encaminhadas por escrito, são de propriedade do jornalista e do veículo a que ele representa.

Alex Castro com sua fina ironia já mostrou o quão cômico é o episódio. Vamos, então, ao trágico:

O jornal O Globo está por absoluta ignorância, ou pior, por má-fé (vamos dar-lhe o benefício da dúvida), divulgando uma informação FALSA, sem qualquer amparo jurídico, pois é evidente, que perguntas não podem ser propriedade de ninguém.

Vejam o art.7º da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98):

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III – as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V – as composições musicais, tenham ou não letra;
VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII – os programas de computador;
XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

Acharam na lista “perguntas de jornalistas dirigidas às suas fontes”? Claro que não!

(…) Incrível a cara-de-pau do jornal de publicar uma informação completamente falsa em seu editorial, inventando sem o menor pudor um novo inciso para o art.7º da Lei de Direitos Autorais e revogando o art.8º, III, da mesma lei.

Lembro ainda que os direitos autorais existem para proteger a criação intelectual, seja ela artística, científica ou qualquer outra.

Perguntas NÃO SÃO CRIAÇÃO INTELECTUAL! (…)”

A Petrobrás respondeu:

“A Petrobras reafirma que o blog Fatos e Dados foi criado pela empresa para prestar esclarecimentos à sociedade. O objetivo é manter seu compromisso com a transparência, o que implica em divulgar, de forma completa, o posicionamento da Companhia, publicando todas as respostas enviadas à imprensa. Assim, a empresa descarta também acusações de “quebra de sigilo” por considerar que as informações prestadas pertencem à empresa.(…)”

O caso merece acompanhamento e desenvolvimento. Coloco aqui apenas estas rápidas reflexões para fomentar o debate e demostrar com este exemplo a tensão civilizacional a que estamos envolvidos hoje com o embate entre o sistema massivo e os novos formatos com funções pós-massivas. Lembro que não se trata de um sistema contra o outro, como insisto há anos, mas de reconhecer a reconfiguração e o enriquecimento da paisagem comunicacional midiática contemporânea.

Affaire à suivre!

2 Replies to “Blog da Petrobrás – Funções Massivas x Pós-Massivas”

  1. Ver uma empresa de grande porte e que lida com questões de difícil tato como a extração de petróleo demonstrando seu posicionamento através das mídias sociais é, sem dúvida, um avanço.

    Nos últimos anos permeava por esse contexto um medo constante em "expor" a imagem de grandes empresas a um canal em que as pessoas podem e vão dizer o que acham.

    Com essa ação, a Petrobras não só acerta como cria a possibilidade de conquistar a parcela de público – em mídias tradicionais massivas – não lhe daria a mesma atenção.

    Parabéns pelo post André. Continuaremos acompanhando o desenvolvimento desta história, e torcendo para que outras grandes empresas brasileiras acordem para o poder das mídias sociais.

  2. Não podemos também tirar a atitude da Petrobras de seu contexto. O ambiente atual é delicadíssimo com a implantação da CPI. "Nunca na história desse país" a Petrobras foi efetivamente ameaçada. Agora, acuada diante de eminentes feridas abertas, eles atacam.
    Uma coisa é abrir um blog e lá manter um diálogo com o público/contribuinte – o que justamente NÃO é o que está acontecendo. O blog é apenas um instrumento de defesa/ataque à imprensa, que encontra em muitos argumentos que vi por aí uma muleta ideológica, isto é, de acusar os grandes jornais de "mídia golpista", uma tremenda infantilidade.
    Acho que podemos separar a mídia da maneira que você falou, Lemos. Então teríamos a Folha e os grandes jornais fazendo a função que sempre lhes coube, de gatekeeping e ponte entre fato e público, e a mídia pós-massiva, o tal blog. Porém, é muito cômodo a Petrobras se utilizar justamente daquilo que ataca, isto é, apoiar-se nas perguntas daquele meio que ela própria critica. É uma contradição. Porque não ela própria pautar a si mesma ou então, para abandonar os jornais como intermediário, pautar-se pelo próprio público?

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