Vejam …

” Dia 06 de junho, ás 15:oo h, na sede do Conselho de Cultura do Estado, haverá ato de solidariedade contra a prisão do poeta e antropólogo Antônio Risério e a favor da liberdade de expressão do pensamento. Divulguem.

JUIZ QUER ESCRITOR NA PRISÃO

A polêmica em torno do prédio da Prefeitura Municipal de Salvador, projetado e construído pelo arquiteto João Filgueiras Lima, conhece agora um desdobramento tão inesperado quanto descabido. Contrariando opiniões como as de Oscar Niemeyer e Emanoel Araújo, que consideram que o prédio deve permanecer no local, o juiz federal substituto da 7ª. Vara, João Batista de Castro Júnior, despachou sentença, exigindo que a construção fosse removida da Praça Municipal no prazo máximo de seis meses. O poeta, antropólogo e historiador Antonio Risério ? autor de “Uma História da Cidade da Bahia” ? reagiu com veemência. O juiz se sentiu ofendido. Injuriado. E está movendo um queixa-crime por injúria, onde pede que o escritor seja condenado a dez meses de prisão ? ou ao pagamento de uma indenização.

Na verdade, a sentença do juiz não se atém, de modo algum, ao plano jurídico da discussão. Muito pelo contrário, é um longo arrazoado sobre filosofia, filosofia da arte, estética, artes plásticas e arquitetura, recheado das mais variadas citações, colhidas em vastíssimo elenco de autores, pertencentes aos mais diversos espaços e tempos da cultura do Ocidente: de Sócrates a Umberto Eco, de Platão a Hegel (citado em alemão), de Aristóteles a Kant (citado em francês), de Walter Pater a Schiller, de Nietzsche a Tolstoi, de Giambattista Vico a Walter Benjamin… Enfim, um verdadeiro espetáculo de eruditismo, típico de quem deve ter dedicado décadas de sua vida ao estudo da matéria.

Considerando que o juiz, com tal atitude, havia deixado a seara jurídica para ingressar na arena do debate intelectual ? e, mais amplamente, cultural ? Antonio Risério reagiu. E não o fez em termos de formalismo jurídico, mas em terreno e em estilo mais próprios, historicamente, à grande tradição das disputas culturais. Definiu a sentença, em sua dimensão estético-filosófica acionada para atacar a obra de João Filgueiras Lima (um dos maiores arquitetos brasileiros vivos, vencedor da recente Bienal de Arquitetura de Madri e homenageado com salão especial na Bienal de Veneza), como “cretina e ignorante”. E levantou a suspeita de que o juiz não teria lido Vico (e se o tivesse, não o teria compreendido), considerado um dos mais complexos pensadores do mundo ocidental, cujas teses, para serem devidamente assimiladas, exigem anos de estudo, de acordo com especialistas no assunto.

O juiz, que havia ingressado com tanta desenvoltura na arena dos enfrentamentos culturais, resolveu então entrincheirar-se inteiramente no mundo jurídico. E bloquear qualquer debate. Disse que era apenas um servidor público no cumprimento estrito de sua função. Que, nos termos em que foi tratado por Risério, tornou-se vítima do crime de injúria. Que o escritor causou-lhe ? segundo o texto da queixa-crime ? “toda uma variegada gama de prejuízos extrapatrimoniais”. Uma grande “dor moral” ? que “consubstanciou verdadeira ameaça ao seu projeto de vida, produzindo reflexos negativos em sua saúde, manifestados através de sensações de intranqüilidade e desconforto, típica reação de quem se vê ultrajado. Estas, fisiologicamente, se revelaram através de estresse que o privou da regularidade do sono e apetite, atingindo-o, por esta razão, em sua normalidade existencial, quadro que a aproxima do conceito de lesão corporal, na medida em que ensejou desordem causada às atividades psíquicas ou ao funcionamento regular do organismo”.

Por tudo isso, o juiz João Batista Castro Júnior quer que Antonio Risério seja preso ? ou pague uma indenização (o juiz chega a se comparar, no caso, a uma apresentadora de televisão, Luciana Gimenez, que recebeu 40 mil reais de indenização, por ter sido chamada de “burra” num programa televisual).

Artistas, intelectuais, escritores e cientistas baianos estão colocando as coisas de uma perspectiva radicalmente distinta. Para eles, a questão central diz respeito à livre expressão do pensamento. Não se trata de concordar ou não com juízos acerca do prédio da Prefeitura. O que não se pode é tentar cercear autoritariamente o debate ? levando-se em conta, ainda, que polêmicas intelectuais possuem o seu próprio estilo, que, de Marx a Oswald de Andrade ou de Sartre a Glauber Rocha, nada tem a ver com luvas de pelica. O juiz entrou na arena cultural por livre e espontânea vontade. Foi contraditado duramente, em nome do patrimônio da cidade e de interesses públicos. Deveria se manter em tal arena ? e não recuar para o campo jurídico formal, abrigando-se de modo a impedir, com o expediente das leis, a exposição e o desenvolvimento claro e franco de idéias e argumentos. Esta é a questão: contra o autoritarismo, a comunidade artístico-científico-intelectual manifesta-se pela liberdade do pensar e pela livre expressão do pensamento. Do contrário, a troca e o embate de idéias acabarão banidos do horizonte, inibidos por ameaças de cadeia e indenização.” Luiz Chateaubriand Cavalcanti dos Santos