Mobilidade Total
A conexão wi-fi no trem Via Rail de Québec para Montreal, que estou usando agora, é um exemplo concreto da complexificação da mobilidade em direção à uma “mobilidade total”. Aqui temos todas as mobilidades: a fisica (corpo/transporte), a informacional (acesso a informação com possibilidades de emissão e produção de conteúdo, como esse post) e imaginária (os devaneios da minha mente em meio ao espetáculo que desfila pela minha janela…). Aqui vemos essa nova heterotopia informacional de um “lugar” que se desloca (o trem, como o navio para Foucault). Esse lugar (trem) ganha uma nova função (heterotopia), um novo sentido, ao permitir o acesso e a produção de informação, como estou fazendo agora. Há várias implicações positivas e negativas (que não vou desenvolver agora) mas apenas indicar: várias pessoas estão, como eu, conectadas, trabalhando, ao invés de estarem curtindo a viagem; não há muita conversa, a não ser duas senhoras que estão atrás de mim e não páram de falar ;-)), etc. Temos assim um trem como qualquer outro, só que com novas funções, que tenho chamado de heterotopia do controle informacional. Vejam a análise que fiz do avião em outro post que remete à essa mesma discussão.
As novas heterotopias são uma das questões mais importantes da nossa época. Michel Serres, em “Les Messages à distance” (Editions Fides, Montreal, 1995) que estou lendo agora nesse trem (sim, deixo a conexão de lado e leio, vejo a paisagem, ouço música…), começa o livro mostrando as mudanças na dimensão humana do trabalho e os regimes históricos que ele associa à primeiramente a Hercules, a força, o artesão, depois a Prometeu, o fogo, a máquina industrial, e agora a Hermes, a comunicação, a mensagem. Estamos agora, segundo Serres, no regime dos “Angelos”, os mensageiros. Na passagem abaixo vemos bem o trabalho em meio a essa “mobilidade total”.
Ele afirma:
“Considérez, le matin, lorsque vous partez au travail, la foule qui s’écoule par les rues: combien peu de Prométhées, encore moins d’Hercules et d’Atlas, pour tant et tant d’Archanges, partant en voyage, porteurs de messages? Nous vivons désormais dans une immense messagerie, où nous travaillons, pour une majorité, comme des messagers: partons moins de masses, allumons moins de feux, mais transportons des messages, qui, parfois, commendent aux moteurs. Messagers, messages et messageries, voilà, en tout, le programme du travail. Aux plans de l’architecte, aux dessins industriels succèdent réseaux et puces.” (p. 12).