Passando o primeiro mês aqui em Edmonton, ainda não me sinto muito a vontade para fazer análises mais profundas da cidades, das formas de sociabilidade, do espaço e do uso das tecnologias. Mas algo que tem me chamado a atenção é a obsessão por segurança. Tudo gira em torno disso: dirigir, atravessar a rua, comprar comida, viajar, usar o computador, tudo…A palavra “segurança” aparece frequentemente nas peças publicitária refletindo mesmo o estado das coisas por aqui e mesmo um supermercado se chama “Safeway”. A pré-ocupação (já que pensar em segurança é de alguma forma estar sempre no futuro) as vezes me incomoda e chego mesmo a sentir falta e apreciar a nossa (brasileira) completa vivência no aqui e agora, no presnte urgente, já que não temos e não pensamos o tempo em segurança.
Lendo o jornal gratuito e cultural See (disponível todas as quintas em quioskes – caixas metálicas – nas ruas), me deparo com uma matéria sobre controle de acesso de pessoas em bares. Em alguns estabelecimento para entrar é obrigatório o “scanning” dos documentos de identidade, com o sistema BarLink. A discussão, como sempre, é o limite legal da exigência e a segurança. Parece ser exagero reter informação pessoal para entrar em um bar e tomar uma cerveja. Bom, segundo alguns a exigência seria mesmo ilegal, já que ninguém deve ser obrigado a fornecer seu nome de família, identidade e um documento para passar em um scanner que irá reter esses dados em bancos de dados. Claro, pode-se pedir para ver a idade da pessoas para entrar, para evitar a entrada de menores. O sistema, claro, alimenta banco de dados da polícia local. Se voce quiser, pode pedir para tirar o nome do sistema depois de ter passado no scanner, mandando um email ou ligando para a empresa.
A questão é a segurança, e vários depoimentos na matéria ressaltam isso. Por exemplo, a dona do pub Druid, que não enfrenta problemas no seu estabelecimento, pensa no futuro e diz “just because something hasn’t happened doesn’t mean something won’t happen. It’s a preemptive planning”. Uma frequentadora de bares concorda, e afirma que ela “woundn’t enter a establishment that didn’t have BarLink, because of safety concerns. She says troublemakers go to clubs that don’t scan IDs”.
Estou tocando nesse assunto já que essa questão é central para a discussão sobre “territórios informacionais”, conceito que estou aprofundando aqui e que em breve será publicado em forma de livro. Busco entender esses novos territórios em relação aos espaços de lugar das cidades e o uso das tecnologias móveis e processos de mídia locativa. Li recentemente o livro “Human Territoriality: Its theory and History” (Cambridge University Press, Cambridge, 1986) de Robert Sack, fundamental para compreender a territorialidade humana. Penso que as novas formas de controle eletrônico de pessoas e objetos reforçam a idéia de um território informacional.
Sack diferencia em primeiro lugar a complexidade da territorialidade humana daquela da vida animal. A humana seria intencional, comunicativa, de historicidade aberta, criadora de instituicoes, abstrata e vinculada ao exercício do poder, sendo assim, nao apenas naturalmente motivada, não instintiva, mas principalmente “socially and geographically rooted”. Para Sack a territorialidade humana é “powerful strategie to control people and things by controlling area”. A territorialidade humana é um meio indispensável para o exercício do poder em todos os níveis.
A territorilidade humana é “a control over an area or space that must be conceived of and communicated (…). Territoriality in humans is best understood as a spatial strategy to affect, influence, or control resources and people, by controlling area…”
Aqui, a obsessão pela segurança é uma forma de aceitar esse exercício do controle (como Deleuze, controle na mobilidade) de bom grado, de se sujeitar aos novos poderes exercidos dentros desses territórios informacionais. A questão é assim social, política, estética e tecnológica, se é que podemos separar esses termos!
As fotos desse post são minhas, todas tiradas em Edmonton, e fazem parte de um “working in progress” sobre “bordas”, “territórios” (tanto os que aparencem fisicamente e mais claremente no nosso dia a dia, como os que são menos visíveis, ou menos vistos como tais, os eletrônico-informacionais). As imagens serão utilizadas para ilustrar minha argumentação no futuro livro. O uso dessas fotos está permitido desde que citada esse parágrafo explicativo.