iPod, Música e Cidade
Há alguns dias penso na dimensão sonora das cidades e de como os dispositivos móveis de áudio fazem parte da paisagem urbana contemporânea. É difícil andar na rua, entrar em ônibus ou metrôs e não ver alguém com um mp3 player (ou ainda os “enormes” CD Players). Os celulares e palms ampliam ainda mais essa escuta em mobilidade pelos espaços das cidades. Por exemplo, post do Smart Mobs mostra, a partir de pesquisa da M:Metrics, que os chineses ouvem muita música no celular, mais do que os espanhóis os britânicos ou os americanos.
O regime visual parece estar em parte co-optado pelas estruturas organizadoras do espaço urbano, principalmente hoje com a disseminação de câmeras CCTV e toda uma parafernália panóptica de vigilância visual como sensores os mais diversos. Vejam o próximo post nesse Carnet sobre o “Neighbourhood Watch” como mais um exemplo nesse sentido. Tudo é visto e esse regime de visibilidade torna-se uma forma de controle sobre o outro e sobre a administração da “res publica”.
Mas o que dizer do som? Não seria o som uma zona de escape ainda sem controle? Bom, nem tanto. Post do Brooklyn Record mostra um projeto de lei que visa regular a forma de escuta sonora no espaço urbano: quem for pego atravessando a rua com um dispositivo móvel (para o que nos interessa aqui, ouvindo um tocador de música – iPod, celular, ou outro) poderá ser multado em US$ 100.00.
O regime sonoro individual e fechado, em mobilidade, não é regulado (há os limites do aparelho) e permite formas de escape da programação das cidades. Há diversas maneiras de escapar já que a “governamentabilidade” (Foucault) não é nunca totalizante: produção de experiências corporais e de desejo, imaginação a partir de diversas formas de escrita (arte, mídia), o imaginário, mas também práticas juvenis de uso e de temporalidades diferenciadas do espaço como o grafite, o skating – ver o excelente “Paranoid Park” – ou o “parcour”, a leitura aberta da mídia e hoje a internet. Vejam Amin e Thrift, “Cities. Reimagining the Urban” para uma análise mais detalhada.
As cidades são controladas, mas são também zonas de escape já que essa governamentabilidade não atinge todos os seus recônditos (lugares onde leis e regulamentos não funcionam, regimes noturnos…). Algumas formas de uso do espaço com as mídias locativas, como venho mostrando nesse Carnet, criam temporalidades e usos fora da norma do espaço urbano, novas (re) territorializações: anotações urbanas, GPS drawing, location-based mobile games, smart e flash mobs, produção livre de conteúdo com geotags e mapeamento…
E o iPod nisso tudo? Podemos dizer que os dispositivos móveis de produção e reprodução sonora são também criadores de zonas de escape, como uma escrita cognitiva do espaço, como produção social, criando sentido, lugar. Rádio de pilha, Walkman, iPod, ao mesmo tempo que criam um isolamento em um bolha açustica, apontam para uma inserção sensível no ambiente visual, na “paisagem”. É como se marcássemos um território (informacional?) controlando a “trilha sonora” da deambulação quotidiana.
Por exemplo, quando me exercito, as vezes intercalo andar e correr de acordo com o tempo da música que toca no meu iPod. Isso me dá uma outra dinâmica para o exercício e uma outra forma de percepção do espaço a minha volta, criando texturas não só sonoras, mas visuais. Se esquecer o iPod eu volto já que me é quase impossível correr e andar sem o pano de fundo sonoro…E quando saio e vou para a rua resolver coisas, muitas vezes vou sem o iPod, para ter uma outra imersão no ambiente a minha volta. Ou seja, essa prática muda a minha relação, sensação e percepção do espaço ao meu redor. Todos que usam iPod (ou outro equipamento similar) tem essa mesma sensação.
Algo remete aqui ao espetáculo – distanciamento e olhar como “testemunha”, e à regência, ao controle da paisagem externa por uma mistura fluida de ouvir, olhar e sentir. O que sentimos quando dobramos a esquina e nesse momento toca “aquela” música? E se for uma outra?
No fundo fico pensando em qual seria mesmo o objetivo e o prazer de andar ouvindo musica senão o de re-significar o espaço, de sentir e ver os lugares e as pessoas de outra forma, de criar uma zona de escape ao lugar instituído, de criar o meu sentido de lugar. E o meu lugar aqui é um “evento” (Thrift), não a imobilidade ou a base de um enraizamento.
work in progress…