Hoje, madrugando no domingo e lendo os meus RSS, caio sobre dois posts interessantes propondo discussões sobre liberdade no ciberespaço e sobre o uso e proteção de dados, em um mundo em que esses são gerados o tempo todo sem que tenhamos muita consciência. O primeiro post reclama por uma nova carta de direitos da internet. O segundo critica a coleta de dados justificada, aparentemente, para tornar o mundo mais “smart”. Vejamos.
O primeiro post, “A Bill of Rights in Cyberspace“, Jeff Jarvis, do Buzz Machine, aponta para a necessidade não de uma constituição, mas de uma garantia de liberdades no Ciberespaço:
“(…) I will suggest that we need a Bill of Rights in Cyberspace as a set of amendments to John Perry Barlow’s 1996 Declaration of the Independence of Cyberspace. Note that I do not suggest the establishment a Constitution of the Internet; I think that would violate the tenets Barlow so eloquently if grandiosely sets forth. We don’t need government in cyberspace; we need freedom. This Bill of Rights attempts to establish the fundamental freedoms of our internet that must be protected against abridgment by governments, companies, institutions, criminals, subverters, or mobs.”
Jarvis sugere então 9 pontos (e para detalhes vejam o post), explicitados assim:
“I. We have the right to connect; II. We have the right to speak; III. We have the right to speak in our languages; IV. We have the right to assemble; V. We have the right to act; VI. We have the right to control our data; VII. We have the right to our own identity; VIII. What is public is a public good; IX. The internet shall be built and operated openly.”
Quero destacar os pontos VI e VII, que apontam para a proteção dos dados e a manutenção do controle sobre a identidade. Hoje, diversas ações ameaçam a privacidade e o controle de informação pessoais, desde as redes sociais, os sistemas de geolocalização, as câmeras de vigilância e os procedimentos de biomonitoramento. Depois do 11 de setembro 2001, a liberdade individual, a privacidade e o direito ao anonimato estão seriamente ameaçados em vários países.
O segundo post, ““The IBM Data Baby, Or: When Data Rules The World”, do “The Pop Up City” mostra vídeos da IBM ressaltando a maravilha que é o mundo dos dados, e como o tratamento desses podem ajudar nos negócios, na segurança pública, na saúde, tornando o mundo mais securo, claro, transparente e muito mais inteligente (“smart”). Alexandra Mientjes critica a visão comercial, asséptica e neutra do uso dos dados apresentada nesse vídeo (e nos outros do seu post – ver no link). Vejam o vídeo abaixo.
É importante lembrar que dados, quaisquer que sejam, são sempre leituras da realidade e, por princípio, uma forma de abordar o mundo e traduzí-lo. Os dados sempre são coletados, armazenados, tratados e utilizados com intenções diversas (políticas, sociais, sanitárias, culturais) visando diagnosticar o presente e prever o futuro, bem como propor tendências. Dados estão sempre fortemente vinculados a determinadas formas de produzir o real (desde a maneira da coleta, passando pela interpretação e pelos juizos de valor daí derivados). Ou seja, não há dados neutros. No fundo, a racionalização científica do mundo é uma maneira de adequar o mundo a um modelo (científico) de leitura do real no qual os dados são os elementos básicos e fundamentais. Devemos sempre tentar ler o que está por trás das leituras do mundo a partir dos dados. Lembrando Martin Dodge e Rob Kitchin (2005), “data” nunca são “dados”, mas sim “captas”, captados por filtros específicos de leitura da realidade. Para Mientjes:
“So just in case you’ve missed my point; they’re in it for the money! Predictably, the key words here are ‘consumption’, ‘efficiently’, ‘work’, quickly’, ‘companies’, ‘customer’, et cetera. The fact that data will secure a better ‘service’ to the customer and provide him or her with a more suited product signals a specific (and I might add, capitalist) strategy aimed at consumption and profit. It will doubtlessly work ‘better’ since it is indeed tailored to our wishes and characteristics. But before you repudiate or buy into this consumerist data fantasy, recall the title of the IBM commercial: if data is really the way to make better ‘healthcare decisions’ and ‘detect diseases earlier’, how do we know that this data won’t also be used to sell us too expensive or untrustworthy health insurances and medicines? IBM’s data baby is analyzed, manipulated and commodified from birth onwards. If we let this trend continue, the next step could be analyzing male sperm and female eggs, so that we’ll know beforehand what brand of diapers or baby food we should buy for our unborn kids. And this is a development I wouldn’t want to applaud.”
Vejam esse vídeo sobre o “oceano de dados e de coisas que comunicam” na atual fase da “internet das coisas”:
Defender a privacidade e o controle dos dados por quem de direito – em um mundo interligado pelo ciberespaço e produtor de uma infinidade de dados (de pessoas, objetos, lugares e processos) é hoje uma necessidade para a garantida de regimes democrátios e livres. Saber ler e desmascarar a suposta neutralidade dos dados também. Em um mar de dados em crescimento exponencial e planetário, como na atual fase da mineração de dados em redes sociais e da internet das coisas, essa questão torna-se mesmo urgente. Aí retornamos à proposta de Jarvis:
“VI. We have the right to control our data; VII. We have the right to our own identity”.
Nossa, quanto tempo estou sem acompanhar aqui, estava meio perdido mesmo…
Ah, com relação à esse tópico, um dia desses estava me preocupando sobre uma coisa.. A google já começou a testar com sucesso internet de 1gb lá nos estados unidos, depois, ao ler sobre o projeto do PNBL do MC, descobri que até 2013 o Corea do Sul já deverá começar a comercializar internet de 1GB. Isso só significa uma coisa: um boom na clody computing, ou seja, a transferência completa de nosso HD para os servidores de dados, a completa “perda” de controle sobre nossos dados… Se não tivermos nenhum garantia sobre esses dados, o futuro será uma nuvem bem cinzenta…