Como me tornei um usuário do Kindle (não, não quero um iPad, thanks!), comecei a comprar e a baixar livros eletrônicos em diversos formatos para alimentar o dispositivo. Tenho achado muitos livros acadêmicos e de ficção (free e pagos) nas línguas que leio e isso só tem aumentado a minha quantidade de leitura diária. Vejam post anterior sobre o assunto.
No que se refere aos livros acadêmicos, como citar as referências de um livro no Kindle se o mesmo não tem páginas, mas “locations”? Para a citação uma obra eletrônica (PDF, ou texto em sites), em geral, o que fazemos é colocar a referências como está no impresso, no site ou indicar o DOI. Por exemplo: “Lemos, André., Post—Mass Media Functions, Locative Media, and Informational Territories: New Ways of Thinking About Territory, Place, and Mobility in Contemporary Society., in Space and Culture, November 2010 13: 403-420, doi:10.1177/1206331210374144“. Nessa citação, há a referência à revista em papel e ao documento eletrônico, mantendo a paginação da revista impressa. Nesse outro caso: “Tuters, M., Varnelis, K. (2006). Beyond locative media, in http://networkedpublics.org/locative_media/beyond_locative_ media”, não há páginas e o texto é apenas eletrônico, indicando a URL. Caso citemos algum trecho, esse fica simplesmente sem páginas.
Acima, na foto do trecho do livro Solar, de Ian McEwan, que estou lendo no Kindle, a citação dessa parte sublinhada seria assim? McEwan, Ian., Solar. São Paulo, Cia das Letras, 2010, Kindle Edition, Location 3732-40.
No caso do Kindle, o que se aconselha é que façamos a citação da obra no seu suporte livro ou revista e indiquemos que é uma versão do Kindle, como no exemplo acima. Quanto a citação de passagens retiradas, não há consenso, mas alguns falam de colocar a localização (como acima), ou o número do parágrafo (em alguns leitores que não o Kindle). Entretanto, no caso do Kindle, se eu aumentar a fonte no leitor, a localização muda. Assim sendo, só é possível manter a localização como referência se o leitor não alterar o tamanho da fonte padrão do “livro”. Outros sustentam a necessidade de uma nova classificação para os novos suportes e outros simplesmente defendem que o pesquisador busque a referência nos livros impressos na sua biblioteca, livrarias ou no Google Books (quando houver). Acho que, infelizmente, ainda, para os livros acadêmicos que tenham versão impressa, teremos que sair de casa e ir buscar na livraria ou biblioteca o livro, fuçar as páginas e localizar exatamente a passagem escolhida.
O problema é ainda maior já que há, cada vez mais, obras apenas eletrônicas, feitas em formatos específicos para específicos dispositivos. Como citar a obra e passagens da mesma quando ela não tiver uma versão impressa? Meus livros ‘Reviravolta” e “Caderno de Viagem” são e-books, sem versão impressa. Como leio os dois no Kindle, devo fazer a citação usando a localização e dizer que é no formato mobi para Kindle? E se for em formato e-pub, em um iPad, mantenho uma outra forma de indexação da passagem e digo que é no iPad? Cito assim para a referência completa:
Lemos, André. @re_vira_volta. Uma experiência em Twitteratura., e-book, Ed. Simplissimo, Porto Alegre., 2010. Disponível em http://www.simplissimo.com.br/store/atre-vira-volta.html. ISBN – 978-85-6365-422-9.
Lemos, André. Caderno de Viagem. Comunicação, Lugares e Tecnologias., Porto Alegre, Editora Plus, ISBN 978-85-62069-33-8., 2010. e-book
Para uma citação de uma passagem de um dos livros como faria? Assim?
Lemos, André. Caderno de Viagem. Comunicação, Lugares e Tecnologias., Porto Alegre, Editora Plus, ISBN 978-85-62069-33-8., 2010. Kindle Version, location 210-17.
Acho que seria agora o mais sensato. No entanto o problema deve ser solucionado de uma forma mais universal que desobrigue o leitor a procurar referências em um leitor eletrônico específico. Não é nada prático indexar uma citação à um dispositivo já que o leitor pode usar diferentes tipos de aparelhos e fontes. Uma discussão interessante foi travada recentemente na lista “air-l@listserver.aoir.org” da Association of Internet Researchers (http://www.aoir.org/), iniciada pelo Rich Ling. Vejam o que dizem alguns pesquisadores sobre o assunto:
Steve Hyzny
: I just attended a Capella University colloquim and this was a topic that was raises. When referenceing and e-book since page numbers can adjust with font size and other issues is to use the Chapter/section title and paragraph number instead of page number.
Stacy Blasiola
: Here’s what Purdue has to say about it: http://owl.english.purdue.edu/owl/resource/717/04/ . Electronic books are cited exactly as their print counterparts with the addition of a media marker at the end of the citation: Kindle edition, PDF e-book, Microsoft Reader e-book, Palm e-book, CD-ROM, etc. Books consulted online are also cited exactly as their print counterparts with the addition of a DOI (or URL) at the end of the citation. See also Books . Note: Stable page numbers are not always available in electronic formats; therefore, you may, instead, include the number of chapter, section, or other easily recognizable locator.
“Edward M. Corrado”
: Obviously this, to some degree, depends on the citation style. For the 16’th editions. Chicago added some guidelines. Basically: “Note that electronic formats do not always carry stable page numbers (e.g., pagination may depend on text size), a factor that potentially limits their suitability as sources. In lieu of a page number, include an indication of chapter or section or other locator.” (rule 14.166) and: “Electronic sources do not always include page numbers (and some that do include them repaginate according to user-defined text size). For such unpaginated works, it may be appropriate in a note to include a chapter or paragraph number (if available), a section heading, or a descriptive phrase that follows the organizational divisions of the work. In citations of shorter electronic works presented as a single, searchable document, such locators may be unnecessary.” (rule 14.17)
jeremy hunsinger
: direct quotes are less of a worry than providing reference, I’d think. One can search for a direct quote and usually find it. However, if someone is referencing an idea, we really do need the exact page or location of the item in question. My solution is simple, go to the library and find the page number. (…) granted, that in some scholarly topics there are unique citation traditions, such as in plato, aristotle, kant, etc. and one should stick with the tradition which is most commonly used centrally to the tradition, i’d guess.
Alex Halavais
: Actually, I think the solution jeremy dismisses is the obvious one: you should cite to a URI. It’s a shame that copyright laws make that… difficult. In some ways, I suspect a resource that was *like* Google Books, and provided a fragment with context, would be useful. So if I talk about reasons to cite sources I could drop a link (http://bit.ly/reasonstocite), and fulfill at least the findability function of the citation. But, of course, this raises its own problems. Not all books are in Preview or Full on Google Books (whether that is a good or a bad thing is, of course, an issue of hot debate), the traditional library system is nicely redundant and distributed, providing some reliability (though one could imagine a distributed alternative to Google Books without too much difficulty). Not to mention the issues of URI ugliness, shortener (like the bit.ly link above) longevity and obscurity, and the like. I disagree with the idea, however, that we should maintain page numbers as a form of due diligence. There comes a time when we have to get past horseless-carriage thinking, and recognize that when certain communities are reading more off the page than on, it’s time for a new standard.
“Gilbert B. Rodman”
: Digital source or not, I think some sort of locator is still necessary/desirable for direct quotes. I’m not sure why those should be an exception to Jeremy’s love of page numbers (which I share, though I can imagine functional equivalents being used for paper-less sources). If I’m actually trying to find a quoted passage — because I’m curious, because I want to see the broader context from which the passage was pulled, because I want to cite the original source myself, because I’m shocked that such a passage exists in the work in question, etc. — I don’t want to have to hunt down the words in question in the middle of the full text. To be sure, there are instances where this isn’t a completely onerous burden: a 100-word passage from a 20-page journal article may be easy enough to find. Still, the goal of a good citation is to help your reader find the precise source for the cited words/ideas, not just the general location where your reader can go hunting for them.
Peter Timusk
: You actually have to count the paragraphs, I believe. BTW this is hard work. I agree with Jeremy’s sentiment. I found after taking a full course on legal citation style for Canadian legal scholarship that the last and hardest job is citation in a paper. Often I had to drop sentences because I could not find the citation to the idea. I now try to blog everything I read so I don’t loose these things so much. Also there are still professors out there I am sure and thus reviewers who may prefer a citation to hard copy rather than electronic. That’s my understanding of the preference order.
Novos dispositivos, novas memórias, novos regimes de escrita e leitura.
Como vimos há um debate interessante a ser feito. Esse é um problema que devemos enfrentar rapidamente para normatizar as citações de obras que serão cada vez mais em formatos e-book (pdf, e-pub, mobi, etc.). Vemos aqui como uma mudança de dispositivo (os e-readers e tablets) mobiliza uma rede de problemas (memória, confiabilidade, referências, discussão, indexação) na produção e difusão de textos, alterando as formas de produção, difusão e estoque de informação. Há uma mudança, a longo prazo, nas formas de produzir, distribuir e armazenar o conhecimento.
O que é mesmo um página senão a materialidade do papel? O papel formou e conformou o nosso pensamento ao moldar formas de escrita e leitura. É justamente essa materialidade que está em questão sendo substituída, pouco a pouco, pela materialidade eletrônica do dispositivo. Aqui o papel de um códex, de uma obra final e acabada na edição, se transforma em realidade abstrata, em uma superfície profunda de onde emergem signos textuais de todos os livros que podem então ser indexados por links ou compartilhados em redes sociais (posso compartilhar trechos dos livros que leio no Kindle no Twitter ou ver o que outros leitores marcaram no livro que estou lendo).
Há aqui edição da obra pelo leitor e a formação de uma incipiente comunidade de leitores, de uma nova “República das Letras”. O Kindle é nesse sentido um “BIBLIO” (ver Derrida, “Papel Máquina”), um espaço/lugar de armazenamento de informação, de livros (que depois virou o próprio livro). Ele faz com que o editor (o “tipógrafo”) seja o próprio leitor (ver a esse respeito o livro “Desafios da Escrita” de R. Chartier) que pode mexer nas fontes e alterar as localizações das informações. Assim, não há mais páginas fixas. Ao contrário, só há textos e leitores móveis.
O que será que a nossa ABNT tem a dizer sobre o assunto, quando as referências tornam-se móveis, saem do suporte papel, desvinculam-se dos livros e prendem-se a dispositivos eletrônicos específicos?