Esse Carnet de Notes faz 10 anos hoje.
Não estou com energia para comemorar. Vou apenas rememorar.
Revendo alguns posts, percebo como o Carnet foi mudando: começou mais literário e informativo e foi se tornando mais reflexivo. Acho que isso acompanha a própria evolução dos blogs: primeiro algo próximo aos diários pessoais, depois coleção de links e pequenos comentários e hoje, mais textual, profundo e reflexivo. Há uma negociação com as demais ferramentas da ecologia midiática do ciberespaço (Facebook, Twitter, Orkut, Wikis…).
Abaixo recupero (editado) o que escrevi no primeiro mês. Poderia muito bem (re) escrever tudo agora:
Thursday, March 01, 2001
“A here exists only in relation to a there, not the other way around.
There´s this only because there´s that; if we don´t look up, we´ll
never know what´s down. Think of it, boy. We find ourselves only
by looking to what we´re not. You can´t put your feet on the ground until you´ve touched the sky” (Paul Auster, Moon Palace).”
Wednesday, March 07, 2001
“E nesse dia chuvoso ele sai de casa, não antes de tomar o seu café com leite e croissant para encarnar a alma depois de oito horas de um sono bizarro, repleto de sonhos incompreensíveis. Desce os andares do prédio e se encaminha para o metrô mais próximo, na Rue d´Avron. Pega o primeiro trem e desce algumas estações depois em Belleville. (…) Acordou hoje com vontade de cruzar Belleville a pé, flanar pelo bairro e se encaminhar de forma tortuosa ao cemitério Père Lachaise. Sem pressa podemos ver os detalhes do mundo (…) . Nada esconde esse seu desejo mórbido de ver mortos. Parece que é para confirmar que estava vivo…”
Thursday, March 08, 2001
“…Belleville estava particularmente efervescente nesse dia. Andou, esquivando-se dos passantes: negros vestidos como se estivessem em suas terras natais, árabes que se saudavam na passagem, orientais de todas as origens correndo nas tarefas quotidianas. Se o mundo não é Belleville, Belleville contém um mundo… Ao chegar ao Père Lachaise, defronta-se com as paredes imponentes de seus muros (…) Não queria ver tumbas ou fazer turismo mórbido, apenas se perder nas ruas do famoso cemitério, onde o silêncio ajuda a pensar e os corpos, agora degradados, não incomodam mais.(…)”
Monday, March 12, 2001
” Mais vale esperar o acaso de um encontro, sobretudo sem ter o ar de esperar também. Pois é assim, dizem, que nascem as grandes invenções…” (Jean Echenoz, “Vou embora”, p. 45).
“Mas agora tudo era diferente…sua vida não era mais sua, tinha perdido o fio da meada e buscava agora soluções diferenciadas. Mas achar soluções diferenciadas não era o seu forte…nunca exercera isso e não era agora, de uma hora pra outra, que ele iria conseguir… (…) Paralisado escuta vozes internas que lhe dizem aforismos incompreensíveis, misturadas com burburinhos de alguns passantes na chuva…”
Friday, March 30, 2001
“La mouche qui s’empiffre dans un pot de confiture n’epouvre pas le besoin de changer de décor” (W. Boyd, Les Nouvelles Confessions).