A cibercultura nos dá, desde o início, exemplos de como a apropriação social dirige os rumos do desenvolvimento tecnológico. A frase célebre do escritor cyberpunk William Gibson mostra bem isso: “The streets find their own uses for technology”. E é assim desde a invenção da micro-informática (que surge como uma “guerrilha” contra a “grande informática” da IBM e dos militares) e com a Internet social (não apenas militar e acadêmica) com protocolos abertos e livres. Há inúmeros exemplos de desvios que dão o rumo à cibercultura: o uso das mensagens e fóruns no Minitel francês em 1980-90, a criação das redes de chats, dos newsgroups, das listas de discussão, dos primeiros vírus, dos sistemas de contra-vigilância ou “sousveillance”, das redes sociais, o recente “Chatroulette“,…os exemplo são inúmeros. Na minha opinião, há mais desvios do que direcionamentos programados e lineares. Podemos dizer com certeza que a cibercultura surge e se desenvolve sob o signo da apropriação e do desvio social da sociedade industrial.
Atari Punk Console, Gambiarra de Lucas Mafra apresentada no CParty 2010.
No entanto, essa apropriação social da tecnologia não é exclusiva do campo das novas tecnologias ou das novas mídias, mas inerente à toda evolução tecnológica. Veja, nesse sentido, o interessante site de Kevin Kelly, Street Use, para se ter uma idéia dessa apropriação ao quotidiano. Gambiarras são produzidas o tempo todo. Desde sempre, e desde o início, o “Homo Faber”, o que faz coisas, e “Homo Ludens”, o que “joga” com as coisas, se encontram no mesmo Homem que lida com seus artefatos. E é nos desvios que surgem sempre os usos mais criativos, críticos ou mesmo inovadores, no sentindo de impulsionar, no seu modo de existência (Simondon), os destinos da sociedade humana.
Com o Twitter não é diferente. Como afirmava David Pogue no NYT, em fevereiro de 2009, quando entrava no Twitter:
“Twitter, in other words, is precisely what you want it to be. It can be a business tool, a teenage time-killer, a research assistant, a news source — whatever. There are no rules, or at least none that apply equally well to everyone”.
O próprio sistema vai acolhendo modificações feitas pelo uso. Lembro que tudo começou para haver atualizações pelos telefones celulares via SMS, daí os 140 carcateres. Hoje podemos fazer via celular, mas normalmente não por SMS. O usuários começaram a usar “hashtags” para #seguirassuntos específicos, e isso foi absorvido pelo sistema. O mesmo acolheu o uso social desviante e passou da máxima “o que você está fazendo” para “o que está acontecendo”, visto que as pessoas, governos e empresas começaram a passar links, informações pessoais, governamentais ou empresariais, breaking news, etc., transformando-a em uma ferramenta mais séria do que teria sido pensada pelos seus idealizadores. Hoje o Twitter é incontornável, utilizado para reforço social e comunitário, como forma de denúncia política (como recentemente no Irã) ou de ajuda humanitária (nos terremotos do Haiti e do Chile), para a circulação de informações acadêmicas, propaganda governamental e/ou empresarial, como extensão de empresas de informação, etc. Os usos são inúmeros e variados. Assim, o que foi pensado como uma simples atualização de amigos dizendo o que eles estariam fazendo naquele momento, se transformou, pelo uso social e não pela intenção original, em algo maior, mais importante e menos frívolo. As vezes, dizer o que se está fazendo é o que menos aparece no sistema.
Nesse sentido, post do Écrans, “Je twitte donc je suis“, de Marie Lechner, aponta para novas formas de apropriação crítica, criativa e artística do Twitter, levando adiante a onda social desviante que caracteriza o uso das tecnolgias da cibercultura. Destacaria aqui o uso como ferramenta de vigilância no Key Tweeter, replicando o que fica no “keylogger” do computador, ou seja, ele age como um espião reproduzindo dados sensíveis (senhas, por exemplo); ou o TheMime que envia de maneira aleatória a seus seguidores mensagens vazias, como silêncios, apontando para uma crítica sobre o que se pode dizer em 140 caracteres (impressionante, há mais de 15 mil seguidores); ou Ramblershoes, que consiste em tuitar passos e seus rítmos: um par de tênis com captadores de pressão envia, via bluetooth, “tap, taps” a um telefone celular, e daí ao Twitter informando sobre o ritmo das passadas (tap…tap…tap…, ou tap.taptap.tap.), ou ainda o Hacklabtoilet, que envia um twitter cada vez que alguém puxa a descarga do banheiro, ou Qwitter que informa quando alguém para de te seguir depois de uma determinada postagem, indo no sentido inverso do sistema que te informa sobre quem começou a te seguir. Isso sem falar na Twitterart, ou no uso literário em microcontos ou outras formas de Twiteratura, como a que desenvolvo com o Reviravolta.
Nada disso foi previsto e tudo isso só enriquece a ferramenta, os usuários e, obviamente, seus idealizadores. E assim caminha a cibercultura no embate entre o “sistema” e o “mundo da vida” mostrando a adaptação do primeiro e a criatividade do último.