Lentes Informacionais – RA e Narrativa
Discutíamos no último post as narrativas locativas a partir do conceito de “terrative” de Michael Epstein. Através do twitter do The Guardian, vejo mais um dos inúmeros vídeos disponíveis sobre experiências comerciais e artísticas com a “realidade aumentada” (RA). RA é um sistema informacional que permite que o usuário olhe, através da lente da câmera e da tela de um celular (ou dispositivo similar), o “mundo real” “aumentado por informação eletrônica relevante sobre o mesmo (histórica, turística, comercial). Vejam o vídeo do The Guardian para ter uma idéia: Video: Augmenting reality.
O que quero destacar aqui, e a foto acima, congelada quando acabei de ver o vídeo mostra, é justamente essa nova lente de mediação entre o olhar e o mundo que se vê. No caso em questão, uma lente (os óculos), depois uma outra lente (a da câmera do celular) e depois o olhar para a tela do smartphone como mediadores de um olhar sobre o mundo. Como falei no último post, trata-se de uma forma de narrar e de consumir a narrativa pelo olhar. Podemos dizer que as experiências com RA são, nesse sentido, “terratives” (neologismo de “territory” e “narrative”), narrativas sobre os lugares.
No post anterior busquei Ricoeur para compreender a narrativa e mostrei rapidamente como toda narrativa é criadora da experiência humana do tempo e do espaço: ela é sempre temporal e locativa. O mesmo se passa aqui com os sistemas de RA. Se é assim, cabe perguntar aquilo que nunca aparece nas análises, matérias ou informações de divulgação sobre essa nova mídia (no sentido mais radical de “mediação”), a saber, sobre a qualidade dessa narrativa interpolada por lentes e telas, sobre a intenção locativa dos autores, sobre quem são esses autores, sobre as escolhas históricas do que está sendo contado sobre os lugares. Mais ainda, por que esses e não outros? O que faz, para além do apelo histórico, social, comercial, que uns lugares aparesentem informações eletrônicas e outros não? Que regime narrativo está em jogo quando dirigimos um olhar mediado por lentes e telas, guiado por informações eletrônicas fantasmagógicas se interpolando ao objeto observado?
A relação sujeito – mundo se dái nesse novo regime narrativo visual “aumentado”. Portanto, cabem aqui mais perguntas sobre esse sujeito e sobre o status ontológico da realidade aí construída: Que subjetividade se constitui nesse ato de ver lugares em destaque informacional sobreposto ao objeto físico, “real”? E o que acontece quando, ao dirigir a lente e o olhar para a tela, o sujeito vê outros lugares/objetos onde nada aparece, onde estes são apenas o “mundo real”, sem nenhuma explicação ou “realidade aumentada”? Esse regime narrativo de visibilidade irá tornar invisível aqueles lugares que são apenas “o mundo real”, simples e sem nenhuma ampliação? Focaremos apenas o olhar naquilo que o “sistema” me indica como “informação que vale a pena ser vista”? Será que depois de algum tempo o “mundo como ele é” se tornará invisível aos olhares não mediados? Se é assim, a questão sobre a “realização” do mundo e sobre as suas formas de visibilidade tornam-se centrais para compreender a RA. Devemos questionar as narrativas em jogo com as mídias locativas, em geral, e com a RA, em particular. Daí a necessidade de saber que história está sendo contada, quem a conta e porque um lugar é eleito e outro não, porque vejo aqui e não ali. O que faz com que um objeto ser portador de uma narrativa e outro não? O que cala é tão importante quanto o que fala!
Se acreditarmos em Schopenhauer, a questão é de suma importância: “Le monde visible n’est que le miroir de la volonté.”
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