e ele disse: oh bon dieu, o que é isso que está acontecendo?
e ela disse: vamos logo, tenho que pegar o ônibus, escrever aquela carta…
e ele disse: mas o quê está acontecendo? Por que tento fugir desse barulho infernal e não consigo, por que toda essa confusão?
e ela disse: vou me esconder nesses óculos escuros, mesmo que seja noite, vou pôr a peruca ruiva e ninguém, ninguém vai me reconhecer. Você vem ou vai ficar aí em pé, no canto do quarto fumando esse cigarro?
e ele disse: e o horóscopo, que sempre diz mas não acreditamos, por que esse horósculo caiu aqui bem na frente dos meus olhos? Por que esse cartão postal está na outra página falando do risco, do acaso, de acertos e desarcerto? Vou perdendo o controle, mas eles também estão perdidos.
e ela disse; cala a boca e anda, empurrando-o com os braços, pára de pensar imbecil! o cd de Al Jarreau está quebrado e não toca mais aquela música, nada está no lugar.
e ele disse: mas não há mais música em Nova York, nem monólogo, nem performances, nem trilogias, não há nada, só a sorte ou o azar, às vezes.
e ela disse: é isso, fim, tudo acaba um dia. Vou viajar para nunca mais voltar.
e ele disse: nesse Rio de lágrimas partir e chegar é sempre a mesma coisa.
e ela disse: cala a boca, você não vê o que está acontecendo?
Salvador, outono 2003